Regulatory Comments

Jogando o Jogo da Imitação na Regulação de Mercados Digitais – Uma Análise Cautelar para o Brasil

Introdução

Em 11 de outubro de 2022, João Maia (Deputado Federal, Partido Liberal) propôs o Projeto de Lei 2768/22 (“Projeto de Lei 2768” ou “Projeto”), que traz uma proposta de regulação de mercados digitais. [1] O Projeto de Lei 2768 é a resposta brasileira a tendências globais em direção à regulamentação ex-ante das plataformas digitais, sendo pelo menos parcialmente inspirado no Regulamento dos Mercados Digitais da União Europeia (“DMA”).[2] Em nossa contribuição à consulta pública sobre o Projeto de Lei (“Consulta”), argumentamos que o Brasil deve ter cautela ao importar diretamente uma regulação ainda não testada, dado que o país possui uma situação factual própria e única. Em vez de replicar impulsivamente tendências regulatórias da UE, o Brasil deveria adotar uma abordagem mais metódica e baseada em evidências. Um regime regulatório sólido exige que novas regras sejam fundamentadas em uma visão clara das falhas de mercado específicas que pretende abordar, bem como uma compreensão de seus custos e potenciais consequências acidentais. Infelizmente, o Projeto de Lei 2768 não atende a esses requisitos. Como demonstramos em nossa resposta à Consulta, não está claro que a legislação de defesa da concorrência brasileira tenha deixado de abordar problemas concorrenciais em mercados digitais a ponto de tornar necessária uma regulação digital sui generis. Em realidade, é pouco provável que existam “instalações essenciais” efetivas nos mercados digitais brasileiros a ponto de tornar necessária uma regulação que crie obrigações de acesso; é também pouco provável que “dados” representem uma barreira intransponível à entrada. Outros aspectos do Projeto de Lei –  como a designação da Anatel como autoridade responsável; os patamares extremamente baixos de faturamento fixados para identificação de um “controlador de acesso essencial”; e a ausência de qualquer consideração ao bem-estar do consumidor como um parâmetro relevante para a determinação de existência de danos ou para a identificação de exceções – também estão equivocados. Portanto, da forma como atualmente proposta, o Projeto de Lei 2768 levanta riscos de não apenas aumentar a pressão sobre os esparsos recursos públicos do país, como de reduzir a inovação, aumentar preços aos consumidores, e prejudicar o próspero ecossistema de startups do país.

Pergunta 1

Identificação de “facilidades essenciais” no universo dos mercados digitais. Dê exemplos de ativos de plataformas no mercado digital atuando no Brasil em que ao mesmo tempo: a) não haja plataformas digitais com ativos substitutos próximos a estes ativos b) estes ativos sejam difíceis de duplicação com eficiência ao menos próxima da empresa proprietária c) sem o acesso a este ativo, não seria possível atuar em um ou mais mercados, pois ele constitui um insumo fundamental.

Pelas razões que discutimos abaixo, é improvável que existam exemplos de verdadeiras “instalações essenciais” nos mercados digitais no Brasil.

É importante definir o significado de “instalação essencial” com precisão. O conceito de instalação essencial é um termo de última geração usado no direito da concorrência, que foi definido de forma diferente em todas as jurisdições. Ainda assim, a ideia geral das doutrinas de instalações essenciais é que há casos em que a negação de acesso a uma instalação por um operador existente pode distorcer a concorrência. No entanto, para separar os casos em que a negação de acesso constitui uma expressão legítima da concorrência no mérito das situações em que ela indica uma conduta anticompetitiva, os tribunais e as autoridades de defesa da concorrência elaboraram uma série de testes.

Assim, na UE, o caso de referência Bronner estabeleceu que a doutrina das instalações essenciais se aplica nos casos do art. 102 do TFUE quando:

  1. A recusa for suscetível de eliminar toda a concorrência no mercado por parte da pessoa que solicitar o serviço;
  2. A recusa não puder ser objetivamente justificada; e
  3. O serviço em si for indispensável para a condução dos negócios dessa pessoa, ou seja, não há substituto efetivo ou potencial para o insumo solicitado.[3]

Além disso, a instalação deve ser genuinamente “essencial” para competir, e não apenas conveniente.

Da mesma forma, o CADE incorporou a doutrina de instalações essenciais à política de concorrência brasileira, impondo o dever de lidar com os concorrentes.[4]

A definição de “instalações essenciais” e, consequentemente, a extensão e os limites da doutrina de instalações essenciais, nos termos do Projeto de Lei 2768/2022 (“Projeto de Lei 2768”), devem refletir princípios experimentados e testados do direito da concorrência. Não há razão para que as instalações essenciais sejam tratadas de forma diferente nos mercados “digitais”, ou seja, mercados que envolvem plataformas digitais, do que em outros mercados. Neste sentido, estamos preocupados que o enquadramento da Pergunta 1 revele uma inconsistência que deve ser abordada antes de seguir em frente; ou seja, quando os ativos de uma empresa são “difíceis” de replicar de forma eficiente, justifica-se forçar um concorrente a conceder acesso a esses ativos. A ideia é equivocada e pode até produzir o oposto do que o Projeto de Lei 2768 supostamente visa obter.

Como indicado acima, o conceito fundamental que sustenta a doutrina das instalações essenciais é que ela se aplica a um produto ou serviço que é pouco lucrativo ou impossível de duplicar. Normalmente, isso se aplica à infraestrutura, como telecomunicações ou ferrovias. Por exemplo, esperar que os concorrentes dupliquem rotas de transporte, como ferrovias, seria irreal — e economicamente um desperdício. Em vez disso, os governos frequentemente escolheram regular esses setores como serviços públicos de monopólio natural. Predominantemente, a prática inclui obrigatoriedade de acesso a todos os participantes de tais instalações essenciais mediante preços regulados e condições não discriminatórias que tornam a atividade de outras empresas viável e competitiva – facilitando assim a concorrência em um mercado secundário em situações em que a concorrência poderia ser impossível.

No entanto, o governo deve se perguntar em que medida essa lógica se aplica às chamadas plataformas digitais.

Os mecanismos de busca on-line, por exemplo, não são impossíveis ou excessivamente difíceis de replicar — nem o acesso a qualquer um deles é indispensável. Hoje, muitos mecanismos de busca estão disponíveis no mercado: Bing, Yandex, Ecosia, DuckDuckGo, Yahoo!, Google, Baidu, Ask.com e Swisscows — entre outros.

Mais precisamente, o mero acesso aos mecanismos de pesquisa não é realmente um problema. Em vez disso, na maioria dos casos, aqueles que reclamam da atividade de um mecanismo de busca geralmente desejam acesso aos primeiros resultados ou que o mecanismo de busca priorize seus próprios serviços de mercado secundário em detrimento do concorrente. Mas este espaço é irrisoriamente escasso; não há como ele ser alocado a todos os participantes. Ele também não pode ser alocado em termos imparciais; por definição, um mecanismo de busca deve priorizar os resultados.

Tratar um mecanismo de busca como uma instalação essencial geraria resultados problemáticos. Por exemplo, exigir acesso não discriminatório aos principais resultados de um mecanismo de busca seria como exigir que uma ferrovia oferecesse serviço a todos os transportadores a qualquer momento que o transportador quisesse, independentemente do congestionamento da ferrovia, dos horários de outros transportadores e da otimização pela ferrovia de seus horários. Não só seria impossível, mas nem sequer é exigido das instalações essenciais tradicionais.

Notadamente, embora as primeiras classificações na página de resultados de um mecanismo de busca seja, sem dúvida, um benefício para os negócios, existem outras maneiras de alcançar os clientes. De fato, como o CADE decidiu em um caso relativo ao Google Shopping, mesmo que a primeira página do resultado do Google seja relevante e importante para sites classificados, ela não é insubstituível, na medida em que existem outras maneiras de os consumidores encontrarem sites on-line. O Google não é um intermediário obrigatório para acesso ao site.[5] Além disso, como observado, as páginas de resultados de busca devem, por definição, discriminar para funcionar corretamente. Considerá-las instalações essenciais implicaria disputas intermináveis (e determinações tecnicamente complicadas) para decidir se as decisões de priorização do mecanismo de busca eram “adequadas” ou não.

Da mesma forma, plataformas de varejo on-line, como Amazon e Mercado Livre, são muito bem-sucedidas e convenientes, mas os vendedores podem usar outros métodos para alcançar os clientes. Por exemplo, eles podem vender em lojas físicas ou configurar facilmente seus próprios sites de varejo usando uma infinidade de provedores de software como serviço (“SaaS”) para facilitar o processamento e o atendimento de pedidos. Além disso, a presença e o sucesso simultâneos de Mercado Livre, B2W (Submarino.com, Americanas.com, Shoptime, Soubarato), Cnova (Extra.com.br, Casasbahia.com.br, Pontofrio.com), Magazine Luiza e Amazon no mercado brasileiro desqualifica a alegação de que qualquer uma dessas plataformas é indispensável ou irreplicável.[6]

Argumentos semelhantes podem ser feitos sobre as demais plataformas digitais abrangidas pelo art. 6, inciso II, do PL 2768. Por exemplo, o WhatsApp pode ser de longe o serviço de comunicação interpessoal mais popular do país. Ainda assim, há muitas alternativas de alcance fácil (e principalmente gratuito) para os consumidores brasileiros, como Messenger (62 milhões de usuários), Telegram (30 milhões), Instagram (64 milhões), Viber (3 milhões), Hangouts (2 milhões), WeChat (1 milhão), Kik (500.000 usuários) e Line (1 milhão de usuários). O grande número de usuários de cada aplicativo sugere que o multi-homing (multifornecimento) é generalizado.

Em suma, embora o acesso a uma determinada plataforma digital possa ser conveniente, especialmente se ela for atualmente a mais popular entre os usuários, é altamente questionável se esse acesso é essencial. E, como o Advogado Geral Jacobs observou em seu parecer em Bronner, a mera conveniência não cria um direito de acesso segundo a doutrina das instalações essenciais.[7]

Recomendação: O Projeto de Lei 2768 deve deixar claro que os princípios e requisitos de “instalações essenciais”, dentro do significado do direito da concorrência, se aplicam integralmente aos deveres e às obrigações contemplados no art. 10 — e que a definição de uma “instalação essencial” é um pré-requisito para a imposição desses deveres ou obrigações.

Pergunta 2

É necessária uma regulação que garanta o acesso ao(s) ativo(s) do(s) exemplo(s) da questão 1? O que tal regulação deveria garantir para que o acesso ao ativo viabilize a entrada de terceiros naqueles mercados digitais?

Antes de considerar se a regulamentação é necessária para garantir o acesso a ativos de determinadas empresas, o governo deve primeiramente considerar se garantir esse acesso é necessário e legítimo. Em nossa resposta à Pergunta 1, argumentamos que é improvável que seja. Se o governo, no entanto, decidir o contrário, a próxima pergunta lógica deve ser se o direito da concorrência, incluindo a própria doutrina das instalações essenciais, é suficiente para abordar quaisquer problemas alegados identificados na Pergunta 2.

Indiscutivelmente, a melhor maneira de responder a essa pergunta seria por meio do experimento natural de permitir que o CADE apresente processos contra plataformas digitais — supondo que possa construir um caso prima facie em cada instância — e verificar se ferramentas tradicionais do direito da concorrência fornecem ou não uma solução viável e, se não, se essas ferramentas podem ser aprimoradas pela reforma da lei de concorrência do Brasil, ou se é necessária uma nova regulamentação prévia abrangente.

Em comparação, a UE experimentou a lei de concorrência da UE antes de aprovar o Projeto de Lei dos Mercados Digitais (“DMA”). De fato, a maioria, se não todas, as proibições e obrigações da DMA decorrem de processos do direito da concorrência.[8] A UE acabou decidindo que preferia aprovar regras prévias gerais contra determinadas práticas, em vez de ter de litigar com base no direito da concorrência. Se essa foi ou não a decisão correta está em debate, mas uma coisa é certa: A UE testou seu kit de ferramentas de concorrência extensivamente contra plataformas digitais, antes de aprender com os resultados e decidir que precisava ser complementado com um novo conjunto de regras mais amplas, fáceis de aplicar e claras.

Em contraste, o Brasil instaurou apenas alguns processos de defesa da concorrência contra plataformas digitais. De acordo com números publicados pelo CADE, o[9] CADE analisou 233 processos de fusão relacionados a mercados de plataformas digitais entre 1995 e 2023 e, com relação a condutas unilaterais (casos de monopolização) — aquelas mais relevantes para a discussão do PL 2768 — abriu 23 processos de conduta. Com relação a esses 23 processos, 9 ainda estão sendo investigados, 11 foram julgados improcedentes e apenas 3 foram encerrados pela assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC). Neste sentido, apenas 3 processos (TCCs) de 23 poderiam ter sido, em certa medida, “condenados”. É questionável se esses processos fornecem o tipo de evidência da existência de problemas intrínsecos de concorrência nos oito mercados de serviços identificados no art. 6, parágrafo II, do Projeto de Lei 2768 que justificariam novas regras de acesso “específicas do setor”.[10]

De fato, a recente entrada de empresas em muitos desses mercados sugere que o oposto está mais próximo da verdade. Existem inúmeros exemplos de entrada em uma variedade de serviços digitais, incluindo TikTok, Shein, Shopee e Daki, para citar apenas alguns.

Sérios problemas podem surgir quando produtos que não são instalações essenciais são tratados como tal, dos quais citamos dois.

Em primeiro lugar, estender demais a doutrina das instalações essenciais pode incentivar o oportunismo.[11] Não é para esse objetivo nem a intenção para a qual a doutrina das instalações essenciais, devidamente compreendida, deve ser usada:

Consequentemente, o [Tribunal de Justiça Europeu] implica que a [doutrina das instalações essenciais] não é concebida para a conveniência das empresas explorarem livremente as empresas dominantes, mas apenas para a necessidade de sobrevivência no mercado secundário em situações em que não existem substitutos efetivos.[12]

Por que desenvolver uma plataforma de varejo on-line concorrente, quando o acesso ao Mercado Livre ou à Amazon é garantido por lei? O oportunismo pode desencorajar investimentos de empresas terceiras e “guardiões” direcionados — especialmente no desenvolvimento e na melhoria de plataformas de negócios concorrentes (ou modelos de negócios alternativos que não são réplicas exatas das plataformas existentes). Ao contrário dos objetivos declarados do Projeto de Lei 2768, isso poderia entrincheirar ainda mais os operadores existentes, pois a capacidade de se aproveitar dos investimentos de terceiros incentiva as empresas a se afastarem dos principais mercados dos operadores existentes para atuar como complementadores nesses mercados.

De fato, uma preocupação séria — e subestimada — é o custo de assumir riscos excessivos por empresas que podem contar com proteções regulatórias para garantir a viabilidade contínua, mesmo quando ela não é garantida.

As empresas devem desenvolver seus modelos de negócios e operá-los em reconhecimento ao risco envolvido. Um complementador que se torna dependente de uma plataforma para distribuição de seu conteúdo assume um risco. Embora possa se beneficiar de um maior acesso aos usuários, ele se coloca à mercê do outro — ou pelo menos enfrenta grande dificuldade (e um custo significativo) para se adaptar a mudanças imprevistas na plataforma sobre as quais não tem controle. Essa é uma espécie de problema de “especificidade de ativo” que anima grande parte da literatura de Economia de Custos de Transação.[13]

Mas o risco pode ser calculado. As empresas ocupam posições especializadas em cadeias de suprimentos em toda a economia e fazem investimentos arriscados e específicos de ativos o tempo todo. Na maioria das circunstâncias, as empresas usam contratos para alocar risco e responsabilidade de forma a viabilizar o relacionamento. Quando é muito difícil gerenciar o risco por contrato, as empresas podem se integrar verticalmente (alinhando assim seus incentivos) ou simplesmente seguir caminhos separados.

O fato de uma plataforma criar uma oportunidade como apoio para os complementadores não significa que a decisão de uma empresa de fazê-lo — e fazê-lo sem um plano de contingência viável — faça sentido para os negócios. No caso dos sites de comparação de compras em questão, na decisão do Google Shopping da UE,[14] por exemplo, era totalmente previsível que o algoritmo do Google evoluiria. Também era totalmente previsível que ele evoluiria de maneiras que poderiam diminuir ou até mesmo evitar seu tráfego. Como disse um especialista em marketing digital, “contar com o tráfego dos mecanismos de busca como sua principal fonte de tráfego é um pouco insensato, para dizer o mínimo”.[15]

Fornecer garantias (que é o que uma regra de acesso “guardião” realiza) nessa situação cria um problema significativo: Proteger os complementadores do risco inerente a um modelo de negócios, no qual eles são totalmente dependentes de outra empresa com a qual não têm relação contratual, representa, no mínimo, tão provável como incentivar a tomada de riscos excessivos e o excesso de investimento ineficiente quanto garantir que o investimento e a inovação não sejam muito baixos.[16]

Em segundo lugar, conceder a empresas e concorrentes acesso a bens ou serviços, exceto nos poucos e restritos casos[17] em que o acesso a esses bens e serviços é verdadeiramente essencial para sustentar a concorrência no mercado, envia às plataformas a mensagem errada. A mensagem é que, depois de serem incentivadas a competir, as empresas de sucesso serão punidas por prosperarem. Isso contraria o espírito do direito concorrencial e o princípio da livre concorrência, que o PL 2768 deve ter o cuidado de não eliminar. Como o grande jurista norte-americano Learned Hand observou no processo U.S. v. Aluminum Co. of America: “O concorrente de sucesso, tendo sido instado a competir, não deve ser atacado quando vencer.”[18]

Além disso, forçar as empresas a fazer negócios com terceiros está em desacordo com o princípio de que, a menos que uma violação da lei de defesa da concorrência possa ser verificada, as empresas devem ser livres para fazer negócios com quem quiserem.[19] De fato, é uma pedra angular da economia de livre mercado que “as leis de defesa da concorrência [não] imponham um dever às [empresas]. . . para auxiliar [concorrentes]. . . ‘sobreviver ou expandir.’”[20]

Pergunta 3

Descreva casos nos mercados digitais em que há pelo menos uma outra empresa com ativos substitutos próximos a estes ativos da empresa principal, mas que ainda assim nenhuma das plataformas digitais que detêm o ativo provém acesso a ele. Ou seja, mesmo havendo mais de um ativo no mercado, continua havendo problema de acesso ao ativo. Como o PL 2768/2022, especialmente seu art. 10, poderia ser melhorado para aprimorar o acesso ao insumo essencial?

Não temos conhecimento desses processos.

Pergunta 4

Descreva casos em que a propriedade de dados em mercados digitais cria uma barreira à entrada que torna muito difícil ou mesmo impossível a entrada no mercado das plataformas digitais incumbentes. Como o PL 2768/2022 poderia mitigar este problema, reduzindo a barreira à entrada representada por acesso a dados?

A medida em que os dados representam uma barreira à entrada é, em nossa opinião, muito exagerada. O PL 2768 não deve supor que os dados são uma barreira à entrada e deve avaliar criticamente as alegações em contrário — especialmente se pretende construir um novo regime regulatório abrangente com base nessa suposição.[21]

Em poucas palavras, as teorias de “dados como barreira à entrada” afirmam que os dados on-line podem constituir uma barreira à entrada, isolando os serviços estabelecidos da concorrência e garantindo que apenas os maiores provedores prosperem. Essa barreira de dados à entrada, alega-se, pode permitir que empresas com poder de monopólio prejudiquem os consumidores, seja diretamente por meio de “atos negligentes”, como discriminação de preços, ou indiretamente, aumentando os custos de publicidade, que são repassados aos consumidores.[22]

No entanto, a noção de dados como uma barreira à entrada relevante de defesa da concorrência é mais uma suposição do que a realidade.

Primeiro, apesar da pressa em abraçar o “excepcionalismo da plataforma digital”, os dados são úteis para todos os setores. “Dados” não é um fenômeno novo específico para empresas on-line. Vale a pena repetir que os varejistas off-line também recebem vantagens substanciais e beneficiam muito os consumidores, ao saber mais sobre o que os consumidores querem e quando querem. Por meio de dispositivos como cupons, descontos de associação e cartões de fidelidade (para não mencionar listas de discussão direcionadas e a antiga prática de mineração de dados de comprovantes de check-out), os varejistas físicos podem rastrear dados de compra e atender melhor os consumidores. Não só os consumidores recebem melhores ofertas por usá-los, mas também os varejistas sabem quais produtos estocar e anunciar, e quando e com quais produtos realizar vendas.[23]

Obviamente, também há uma série de outros usos dos dados, incluindo segurança, prevenção de fraudes, otimização de produtos, redução de riscos para o segurado, saber qual conteúdo é mais interessante para os leitores etc. A importância dos dados vai muito além do mundo on-line e muito além do mero uso no varejo em geral. Descrever qualquer empresa como detentora de monopólio dos dados é, portanto, um erro.

Em segundo lugar, não é o volume de dados que leva ao sucesso, mas como esses dados são usados para criar produtos ou serviços atrativos para os usuários. Em outras palavras: a informação é importante para as empresas devido ao valor que dela pode ser extraído, e não pelo valor inerente dos dados em si. Assim, muitas empresas que acumularam grandes volumes de dados foram posteriormente incapazes de transformar esses dados em uma vantagem competitiva para ter sucesso no mercado. Por exemplo, Orkut, AOL, Friendster, Myspace, Yahoo! e Flicker — para citar alguns — todos ganharam imensa popularidade e acesso a volumes significativas de dados, mas não conseguiram reter seus usuários porque seus produtos não eram, em última análise, inexpressivos.

Não só os dados são menos importantes do que o que deles pode ser extraído, mas também são menos importantes do que o produto subjacente que eles informam. Por exemplo, o Snapchat criou um concorrente para o Facebook com tanto sucesso (e em tão pouco tempo) que o Facebook tentou comprá-lo por $3 bilhões (o Google ofereceu $4 bilhões). Mas o interesse do Facebook no Snapchat não era sobre seus dados. Em vez disso, o Snapchat era valioso — e um desafio competitivo para o Facebook — porque incorporou inteligentemente a percepção (aparentemente nova) de que muitas pessoas queriam compartilhar informações de uma maneira mais privada.

Da mesma forma, Twitter, Instagram, LinkedIn, Yelp, TikTok (e o próprio Facebook) começaram com poucos (ou nenhum) dados, mas, no entanto, obtiveram sucesso. Enquanto isso, apesar de suas supostas vantagens de dados, a tentativa do Google em redes sociais, o Google+, jamais alcançou o Facebook em termos de popularidade entre os usuários (e, portanto, também não entre os anunciantes) e foi desativado em 2019.

Ao mesmo tempo, não é o caso em que os supostos gigantes de dados — aqueles que supostamente se isolam por trás das barreiras à entrada de dados — realmente tenham, de qualquer maneira, o tipo de dados mais relevante para as startups. Como argumentou Andres Lerner, se você quisesse iniciar um negócio de viagens, os dados do Kayak ou Priceline (ou Decolar.com local) seriam muito mais relevantes.[24] Ou se você quisesse iniciar um negócio de compartilhamento de veículos, os dados das empresas de táxi seriam mais úteis do que os perfis amplos e transversais de mercado que o Google e o Facebook têm. Considere empresas como a Uber e a 99 que não tinham dados de clientes quando começaram a desafiar as empresas de táxi estabelecidas que detinham desses dados. Se os dados fossem realmente tão significativos, elas jamais poderiam ter competido com sucesso. Mas a Uber e a 99 conseguiram competir efetivamente porque construíram produtos que os usuários queriam usar — elas tiveram uma ideia para uma armadilha melhor. Os dados que elas acumularam foram obtidos depois que elas inovaram, entraram no mercado e superaram seus desafios com sucesso — não antes.

Portanto, reclamações sobre dados que facilitam vantagens competitivas incontestáveis têm demonstrado exatamente o contrário. As empresas precisam inovar para atrair dados do consumidor; caso contrário, os consumidores migrarão para os concorrentes (incluindo novos entrantes e operadores estabelecidos). Como resultado, o desejo de fazer uso de mais e melhores dados impulsiona a inovação competitiva, com resultados claramente impressionantes: A explosão contínua de novos produtos, serviços e de outros aplicativos é uma evidência de que os dados não são um gargalo para a concorrência, mas um estímulo para impulsioná-la.

Em terceiro lugar, a concorrência on-line está (metaforicamente – mas não muito) a um clique ou deslize do polegar. Ou seja, as barreiras à entrada e os custos de migração são baixos. De fato, apesar da suposta prevalência de barreiras de dados à entrada, a concorrência on-line continua a aumentar, com os recém-chegados constantemente emergindo e triunfando. A entrada de varejistas on-line e de outras plataformas digitais no Brasil é um caso em questão (Vide Perguntas 1 e 2). Isso sugere que as barreiras à entrada não são tão altas a ponto de impedir uma concorrência robusta.

Novamente, apesar dos supostos monopólios baseados em dados do Facebook, Google, Amazon, Apple e outros, existem concorrentes poderosos nos mercados em que competem:

  • Se os consumidores quiserem fazer uma compra, é mais provável que façam suas buscas no Mercado Livre ou na Amazon do que no Google ou no Facebook, mesmo com o lançamento do Facebook Marketplace.
  • O mecanismo de busca Google Flights não conseguiu ameaçar seriamente — muito menos deslocar — seus concorrentes, como os críticos temiam. Decolar.com, Kayak, Expedia e similares continuam sendo os sites de busca de viagens mais proeminentes — apesar de o Google ter literalmente comprado o acervo de dados de voo e a inteligência de processamento de dados da ITA.
  • O ChatGPT, uma das startups mais valorizadas atualmente, se tornou um sério adversário aos mecanismos de busca tradicionais.
  • O TikTok cresceu rapidamente para desafiar aplicativos populares de mídia social, como Instagram e Facebook.

Mesmo supondo, a título de argumento, que os dados criam uma barreira à entrada, há poucas evidências de que os consumidores não possam migrar facilmente para um concorrente. Embora, em alguns casos, haja efeitos na rede on-line, como nas redes sociais, a história ainda mostra que as pessoas migrarão. O Myspace era considerado uma rede dominante, até que tomou uma série de decisões de negócios ruins, e os usuários acabaram no Facebook; O Orkut teve um destino semelhante. Da mesma forma, os usuários da Internet podem e usam o Bing, o DuckDuckGo, o Yahoo! e uma infinidade de mecanismos de busca mais especializados, além e no lugar do Google, e cada vez mais também recorrem a outras maneiras de encontrar informações on-line (como pesquisar uma marca ou um restaurante diretamente no Instagram ou no TikTok, ou fazer uma pergunta ao ChatGPT). De fato, o próprio Google já foi um entrante iniciante, que substituiu nomes antes familiares como Yahoo! e AltaVista.

Em quarto lugar, o acesso a dados não é exclusivo. Os dados não são como o petróleo. Se, por exemplo, a Petrobras perfurar e extrair petróleo do solo, esse petróleo não mais estará disponível para outras empresas. Os dados não são igualmente finitos. O Google saber o aniversário de alguém também não limita a capacidade do Facebook de saber o aniversário da mesma pessoa. Embora os bancos de dados possam ser proprietários, os dados subjacentes não o são. E o que importa mais do que os dados em si é o nível de qualidade com que eles são analisados (veja o primeiro ponto). Como os dados não são exclusivos como o petróleo, qualquer tentativa de forçar o compartilhamento de dados e ajudar os concorrentes cria um problema de oportunismo. Por que passar pelo esforço de coletar dados valiosos sobre os clientes para saber o que eles querem e ser capaz de melhor atendê-los, quando a regulamentação exige que a Apple efetivamente forneça os dados?

Em conclusão, o problema de conceder aos concorrentes acesso aos dados é que os dados são uma consequência da concorrência, não um pré-requisito para ela. Assim, em vez de aumentar sua capacidade de competir, “presentear” os concorrentes com os frutos de tentativas bem-sucedidas de concorrência de outros corre o risco de destruir os incentivos de ambos os grupos para projetar produtos atrativos e acumular esses dados em primeiro lugar. Ao reverter a causalidade entre dados e concorrência, o Projeto de Lei 2768 corre o risco de sufocar inadvertidamente a mesma concorrência que supostamente busca reforçar.

Pergunta 5

Cite casos em que uma empresa no mercado digital no Brasil usou dados de terceiros em função de sua característica de provedor de insumo essencial, prejudicando o terceiro competitivamente?

Não temos conhecimento desses processos.

No entanto, o enquadramento desta pergunta deve ser claro sobre o que se entende por “prejudicar um terceiro competitivamente”. O uso de dados de terceiros é um dos principais impulsionadores da concorrência. Mesmo que os concorrentes sejam “prejudicados” como resultado, eles são prejudicados apenas na medida em que não se equiparem ao preço ou à qualidade oferecidos pela plataforma.

A concorrência é, em grande parte, impulsionada pelo uso do conhecimento dos produtos dos rivais — incluindo seu preço, qualidade, quantidade e como eles são vendidos e apresentados aos consumidores. De fato, o modelo de concorrência perfeita pressupõe, em grande medida, que todos os produtos no mercado são homogêneos (mesmo que isso raramente seja confirmado na prática). O uso de dados de terceiros para igualar e superar as ofertas dos concorrentes pode ser visto como uma expressão moderna dessa dinâmica. De fato, como já escrevemos antes:

Não podemos presumir que algo é ruim para a concorrência apenas porque é ruim para determinados concorrentes. Muitos comportamentos inequivocamente pró-concorrência, como o corte de preços, também tendem a dificultar a vida dos concorrentes. O mesmo acontece quando uma plataforma digital fornece um serviço melhor do que as alternativas fornecidas por terceiros vendedores no site. […].

Não há dúvida de que isso é desagradável para os comerciantes que precisam competir com essas ofertas. Mas também não é diferente de ter de competir com rivais mais eficientes, com custos mais baixos ou melhor percepção de demanda do consumidor. Copiar produtos e buscar maneiras de oferecê-los com melhores recursos ou a um preço mais baixo, que os críticos da autopreferência destacam como uma preocupação particular, sempre foi uma parte fundamental da concorrência no mercado – de fato, é a principal maneira pela qual a concorrência ocorre na maioria dos mercados.[25]

Qualquer proibição per se do uso de dados de terceiros impediria as plataformas digitais de usar dados para melhorar sua oferta de produtos de maneiras que poderiam beneficiar os consumidores.

Recomendação: Supondo que a lei de concorrência e a lei de PI (Propriedade Intelectual) não estejam à altura da tarefa de coibir abusos de dados de terceiros, o Projeto de Lei 2768 deve garantir que essas proibições sejam feitas sob medida para cobrir condutas que não tenham outra explicação racional além de procurar excluir um concorrente. Ele não deve capturar usos de dados de terceiros que impulsionem a concorrência e beneficiem os consumidores, mesmo que isso resulte na saída de um concorrente do mercado.

Pergunta 6

Descreva casos em que uma dificuldade de interoperabilidade com os sistemas de uma empresa torna muito difícil ou impossível a entrada em um ou mais mercados digitais. Como o PL 2768/2022 poderia mitigar este problema, reduzindo a barreira à entrada representada por falta de interoperabilidade?

Não temos conhecimento desses processos.

No entanto, ao considerar potenciais mandatos de interoperabilidade, o governo deve estar ciente dos riscos e compensações que acompanham essas medidas, especialmente em termos de segurança, proteção e privacidade (vide Pergunta 8 para obter uma discussão mais detalhada).

Pergunta 7

O Digital Market Act (DMA) Europeu optou por realizar proibições absolutas (per se) de algumas condutas nos mercados digitais como o self-preferencing, dentre outras. Já o PL 2768/2022 optou por não fazer qualquer conduta proibida ex-ante. Caberia haver uma ou mais condutas com proibições absolutas (per se) no PL 2768/2022? Por que? Por favor, propor redação, explicitando em que parte do PL se localizaria?

Não. Não deve haver proibições absolutas sobre esses tipos de conduta, especialmente sem experiência substantiva que sugira que essa conduta é sempre ou quase sempre prejudicial e em grande parte irremediável (neste item, respondemos à pergunta em termos gerais; consulte a Pergunta 8 para obter uma discussão sobre por que determinada conduta (por exemplo, autopreferência) não deve ser proibida).

Independentemente do dano aos negócios das empresas-alvo, proibições (ou mandatos) excessivamente amplas podem prejudicar os consumidores, arrefecendo a conduta pró-concorrência e desestimulando a inovação e o investimento, especialmente quando não for necessária uma demonstração de dano e a lei não for passível de argumentos de eficiência (como no caso do DMA). O fato de que essas proibições se aplicam a mercados muito diferentes (por exemplo, serviços em nuvem têm pouca relação com mecanismos de busca), independentemente do contexto, também é um sinal claro de que elas são excessivamente amplas e mal definidas.

De fato, há indícios de que, onde o DMA foi introduzido, ele atrasou o avanço da tecnologia. Por exemplo, a “Bard AI” do Google foi lançada mais tarde na Europa devido aos regulamentos incertos e rígidos de IA e privacidade da UE.[26] Da mesma forma, o “Threads” da Meta não está disponível na UE precisamente devido às restrições impostas pelo DMA e pelo regulamento de privacidade de dados da UE (GDPR).[27] Elon Musk, CEO da X (anteriormente Twitter), indicou que o custo de cumprir os regulamentos digitais da UE, como o DSA, poderia levar a empresa a sair do mercado europeu.[28] Recentemente, a Microsoft atrasou o lançamento na Europa de sua nova IA, “Copilot”, por causa do DMA.[29]

Além de capturar a conduta pró-concorrência que beneficia os consumidores e congelar a tecnologia no tempo (o que acabaria por exacerbar o abismo tecnológico entre países mais e menos avançados), as regras rígidas per se também poderiam capturar muitas empresas emergentes que não podem ser consideradas “guardiãs” por qualquer nível de imaginação. Esse risco é especialmente real no caso do Brasil, dado o limite extremamente baixo para o que constitui um “guardião”, consagrado no Artigo 9 (R$70 milhões, ou aproximadamente US$14 milhões). Assim, muitos unicórnios brasileiros poderiam, imediatamente ou em um futuro próximo, ser capturados pelas novas regras restritivas, o que poderia prejudicar seu crescimento e arrefecer produtos inovadores. Em última análise, isso poderia colocar em risco o status atual do Brasil como “o centro de startups mais bem estabelecido [da América Latina”] e lançar uma sombra sobre o que a The Economist se referiu como o futuro brilhante das startups latino-americanas.[30]

A lista de empresas prejudicadas pode incluir alguns dos unicórnios mais promissores do Brasil, como:

  • 99 (aplicativo de transporte)
  • Neon Bank (banco digital)
  • C6 Bank (banco digital)
  • CloudWalk (meio de pagamento)
  • Creditas (plataforma de empréstimos)
  • Ebanx (soluções de pagamento)
  • Facily (comércio social)
  • com (frete rodoviário)
  • Gympass (agregador de academia e benefícios corporativos)
  • Hotmart (plataforma de venda de produtos digitais)
  • iFood (serviço de entrega)
  • Loft (plataforma imobiliária)
  • Loggi (logística)
  • Mercado Bitcoin (corretora de criptomoedas)
  • Merama (e-commerce)
  • Madeira Madeira (loja de produtos para casa e decoração)
  • Nubank (banco)
  • Olist (e-commerce)
  • Wildlife Studios (desenvolvedora de jogos)
  • Quinto Andar (plataforma de locação de imóveis)
  • Vtex (tecnologia e comércio digital)
  • Unico (biometria)
  • Dock (infraestrutura)
  • Pismo (tecnologia para pagamentos e serviços bancários)[31]

Pergunta 8

Haveria condutas nos mercados digitais que teriam uma alta potencialidade de implicar problemas competitivos, mas que podem ser justificadas como gerar maior eficiência às empresas, às transações e aos mercados? Dê exemplos destas condutas? Como estas condutas deveriam ser tratadas no PL 2768/2022? Em particular, seria cabível uma “inversão de ônus da prova” em que tais condutas seriam presumivelmente anticompetitivas, mas que seria cabível autorizar uma defesa das plataformas digitais baseadas nessas eficiências? Caberia contemplar estas condutas não como proibidas per se, mas com “inversão de ônus da prova” no PL 2768/2022?

Existem certos tipos de comportamento nos mercados digitais que foram alvo de regulamentações prévias, mas que são, no entanto, capazes ou mesmo fundamentais para oferecer benefícios pró-concorrência significativos. Seria injustificado e prejudicial sujeitar essa conduta a proibições per se ou inverter o ônus da prova. Em vez disso, esse tipo de conduta deve ser abordado de forma imparcial e examinado caso a caso.[32]

A.      Autopreferência

A autopreferência ocorre quando uma empresa oferece tratamento preferencial a um de seus próprios produtos (presumidamente, esse tipo de comportamento poderia ser coberto pelo art. 10, inciso II, do PL 2768). Um exemplo seria o Google exibir seu serviço de compras no topo dos resultados de busca antes dos serviços de compras alternativos. Os críticos dessa prática argumentam que ela coloca as empresas dominantes em concorrência com outras empresas que dependem de seus serviços, e isso permite que as empresas alavanquem seu poder em um mercado para ganhar posição em um mercado adjacente, expandindo e consolidando seu domínio. No entanto, esse comportamento também pode ser pró-concorrência e benéfico para os usuários.

Nos últimos anos, um número crescente de críticos tem argumentado que as grandes plataformas de tecnologia prejudicam a concorrência ao favorecer seu próprio conteúdo em detrimento de seus complementadores. Ao longo do tempo, esse argumento contra a autopreferência tornou-se um dos mais proeminentes entre aqueles que buscam impor novas restrições regulatórias a essas plataformas.

De acordo com essa linha de argumentação, os complementadores estariam “à mercê” das plataformas tecnológicas. Ao discriminar em favor de seu próprio conteúdo e contra “provedores de ponta” independentes, as plataformas de tecnologia fazem com que “as recompensas pela inovação de ponta [sejam] atenuadas pela apropriação descontrolada”, levando a perspectivas “sombrias” para os atores independentes na economia da internet – e a inovação de ponta em geral. “[33]

O problema, no entanto, é que as alegações de dano presuntivo da autopreferência (também conhecida como “discriminação vertical”) não se baseiam em dados econômicos sólidos nem em evidências.

A noção de que a entrada da plataformas em concorrência com provedores de ponta é prejudicial à inovação é inteiramente especulativa. Além disso, é totalmente contrário a uma série de estudos que mostram que o oposto provavelmente é verdadeiro. Na realidade, a competição de plataformas é mais complicada do que as simples teorias de discriminação vertical,[34] e a literatura estabelece que certamente não há base para presunção de dano.[35]

A noção de que as plataformas devem ser forçadas a permitir que os complementadores concorram em seus próprios termos, livres de restrições ou concorrência de plataformas, é uma espécie de ideia de que as plataformas são mais socialmente valiosas quando são mais “abertas”. Mas a obrigatoriedade da abertura não é isenta de custos, o mais importante em termos do funcionamento eficaz da plataforma e de seus próprios incentivos à inovação.

Plataformas “abertas” e “fechadas” são formas diferentes de fornecer serviços semelhantes, e há espaço para concorrência entre essas abordagens alternativas. Ao proibir a autopreferência, um órgão regulador pode, portanto, encerrar a concorrência em detrimento dos consumidores. Como observamos em outra parte:

Para a Apple (e seus usuários), a pedra de toque de uma boa plataforma não é “abertura”, mas seleção e segurança cuidadosamente escolhidas, entendidas amplamente como abrangendo a remoção de conteúdo censurável, proteção da privacidade e proteção contra “engenharia social” e similares. Por outro lado, a aposta do Android é no modelo de plataforma aberta, que sacrifica algum grau de segurança pela maior variedade e personalização associadas a uma distribuição mais aberta. Essas são diferenças legítimas no design do produto e na filosofia de negócios.[36]

Além disso, é importante notar que a apropriação da inovação de ponta e sua incorporação à plataforma (uma forma comumente criticada de autopreferência da plataforma) aumenta muito o valor da inovação, compartilhando-a de forma mais ampla, garantindo sua coerência com a plataforma, incentivando o marketing e a promoção ideais e afins. Os smartphones hoje são uma coleção de muitos recursos que costumavam ser oferecidos separadamente, como telefones, calculadoras, câmeras e consoles de jogos, e fica claro que a incorporação desses recursos em um único dispositivo trouxe imensos benefícios aos consumidores e à sociedade como um todo. Em outras palavras, mesmo que haja um custo em termos de redução de inovação de ponta, os ganhos imediatos de bem-estar do consumidor com a apropriação da plataforma podem muito bem superar essas perdas (especulativas).

Fundamentalmente, as plataformas têm um incentivo para otimizar a abertura (e garantir aos complementadores retornos suficientes em seus investimentos específicos da plataforma). No entanto, isso não significa que a abertura máxima seja ideal; de fato, normalmente uma plataforma bem gerenciada exercerá controle de cima para baixo quando essa medida for mais importante e a abertura onde o controle ocorrer for menos significativa.[37]

Mas isso significa que é impossível saber se alguma restrição específica da plataforma (incluindo a autopriorização) na conduta do provedor de ponta é prejudicial e, da mesma forma, se qualquer mudança de mais para menos abertura (ou o contrário) é prejudicial.

Essa é a situação que leva à estrutura indeterminada e complexa dos empreendimentos de plataforma. Considere as grandes plataformas on-line, como Google e Facebook, por exemplo. Essas entidades obtêm a participação de usuários e complementadores ao disponibilizar gratuitamente o acesso às suas plataformas para uma ampla gama de usos, exercendo controle sobre o acesso apenas de maneira limitada para garantir alta qualidade e desempenho. Ao mesmo tempo, no entanto, esses operadores de plataforma também oferecem serviços proprietários em concorrência com complementadores, ou oferecem partes da plataforma para venda ou uso apenas mediante termos mais restritivos que facilitam um retorno financeiro à plataforma.

A chave é entender que, embora as restrições ao acesso e uso dos complementadores possam parecer restritivas, quando comparadas com um mundo imaginário sem restrições, nesse mundo a plataforma primeiramente nem sequer seria construída. Além disso, em comparação com o outro extremo — apropriação total (em que circunstâncias a plataforma também não seria construída…) — essas restrições são relativamente menores e representam muito menos do que a apropriação total de valor ou restrição de acesso. Como Jonathan Barnett resume adequadamente:

A [plataforma], portanto, enfrenta uma questão de compensação básica. Por um lado, deve perder o controle sobre uma parte da plataforma para obter a adoção do usuário. Por outro lado, deve exercer controle sobre alguma outra parte da plataforma, ou algum conjunto de bens ou serviços complementares, a fim de acumular receitas para cobrir os custos de desenvolvimento e manutenção (e, no caso de uma entidade com fins lucrativos, a fim de capturar quaisquer lucros remanescentes).[38]

Por exemplo, as empresas podem optar por favorecer seus próprios produtos ou serviços porque são elas mais capazes de garantir sua qualidade ou entrega rápida.[39] O Mercado Livre, por exemplo, pode estar em melhor posição para garantir que os produtos fornecidos pelo serviço de logística ‘Mercado Envios’ sejam entregues em tempo hábil em comparação com outros serviços. Os consumidores também podem se beneficiar da autopreferência de outras maneiras. Se, por exemplo, o Google fosse impedido de priorizar os vídeos do Google Maps ou do YouTube em seus resultados de busca, poderia ser mais difícil para os usuários encontrar resultados ideais e relevantes. Se a Amazon for proibida de preferir sua própria linha de produtos no mercado, ela poderá optar por não vender os produtos da concorrência.

O poder de proibir a exigência ou o incentivo de clientes de um produto para usar outro permitiria a limitação ou prevenção da autopreferência e de outros comportamentos semelhantes. Concedido, o direito da concorrência tradicional tem procurado restringir o “agrupamento” de produtos, exigindo que eles sejam comprados juntos, mas proibir o incentivo também vai muito além.

B.      Interoperabilidade

Outro mot du jour é a interoperabilidade, que pode se enquadrar no art. 10, inciso IV, do PL 2768. No contexto da regulamentação digital prévia, “interoperabilidade” significa que as empresas abrangidas podem ser forçadas a garantir que seus produtos se integrem a produtos de outras empresas. Por exemplo, exigir que uma rede social esteja aberta à integração com outros serviços e aplicativos, que um sistema operacional móvel esteja aberto a lojas de aplicativos de terceiros ou que um serviço de mensagens seja compatível com outros serviços de mensagens. Sem regulamentação, as empresas podem ou não optar por tornar seu software interoperável. No entanto, o DMA da Europa e a futura Lei de Mercados Digitais, Concorrência e Consumo (“DMCC”) do Reino Unido[40] permitirão que as autoridades assim o exijam. Outro exemplo é a “portabilidade” de dados, que permite aos clientes transferir seus dados de um fornecedor para outro, da mesma forma que um número de telefone pode ser mantido quando se muda de rede.

O argumento usual é que o poder de exigir interoperabilidade pode ser necessário para “superar os efeitos da rede e as barreiras à entrada/expansão”. No entanto, o governo brasileiro não deve ignorar que essa solução representa custos para a escolha do consumidor, em particular por levantar dificuldades com segurança e privacidade, além de ter benefícios questionáveis para a concorrência. De fato, não é como se a concorrência desaparecesse quando os clientes não conseguem migrar tão facilmente quanto ao acender uma luz. As empresas competem antecipadamente para atrair esses consumidores por meio de táticas como preços de penetração, ofertas introdutórias e guerras de preços.[41]

Um sistema fechado, ou seja, com interoperabilidade comparativamente limitada, pode ajudar a limitar os riscos de segurança e privacidade. Isso pode incentivar o uso da plataforma e melhorar a experiência do usuário. Por exemplo, ao permanecer relativamente fechada e com curadoria, a App Store da Apple oferece aos usuários a garantia de que os aplicativos atenderão a um determinado padrão de segurança e confiabilidade. Assim, ecossistemas “abertos” e “fechados” não são sinônimos de “bons” e “ruins” e, em vez disso, representam duas filosofias diferentes de design de produto, qualquer uma das quais pode ser preferida pelos consumidores. Ao forçar as empresas a operar plataformas “abertas”, as obrigações de interoperabilidade poderiam, assim, minar esse tipo de concorrência entre marcas e anular as escolhas do consumidor.

Além de potencialmente prejudicar a experiência do usuário, também é duvidoso que alguns dos mandatos de interoperabilidade, como aqueles entre mídias sociais ou serviços de mensagens, possam atingir seu objetivo declarado de reduzir as barreiras à entrada e promover uma maior concorrência. Os consumidores não são necessariamente mais propensos a migrar de plataforma simplesmente porque são interoperáveis. Na verdade, há um argumento a ser feito de que tornar os aplicativos de mensagens interoperáveis de fato reduz o incentivo para baixar aplicativos concorrentes, já que os usuários já podem interagir com os aplicativos dos concorrentes a partir do aplicativo de mensagens existente.

C.      Telas de Seleção

Algumas regras prévias procuram abordar a capacidade das empresas de influenciar a escolha dos aplicativos pelo usuário por meio da pré-instalação, padrões e design de lojas de aplicativos (isso pode se enquadrar no art. 10, parágrafo II, do Projeto de Lei 2768). Isso às vezes resultou na imposição de exigências para fornecer aos usuários “telas de seleção”, por exemplo, exigindo que os usuários escolham qual mecanismo de busca ou serviço de mapeamento está instalado em seu telefone. Nesse sentido, é importante entender as compensações em jogo aqui discutidas: as telas de seleção podem facilitar a competição, mas podem fazê-lo às custas da experiência do usuário, em termos do tempo necessário para fazer essas escolhas. Existe o risco, sem evidência de demanda do consumidor por ‘telas de seleção’, de que essas regras imponham a preferência do legislador por maior opcionalidade sobre o que é mais conveniente para os usuários. A menos que haja uma demanda pública explícita no Brasil por essas medidas, seria imprudente implementar uma obrigação de tela de seleção.

D.     Tamanho e Poder de Mercado

Em geral, muitas das proibições e obrigações contempladas nas regras  prévias visam o tamanho, a escalabilidade e a “importância estratégica” dos operadores existentes.”

É amplamente alegado que, devido aos efeitos de rede, os mercados digitais são propensos a “tombamento”, pelo que, quando um produtor ganha uma participação suficiente no mercado, ele rapidamente se torna um monopolista completo ou quase completo. Embora possam começar sendo muito competitivos, esses mercados, portanto, exibem uma característica marcante de o “vencedor leva tudo”. As regras prévias geralmente tentam evitar ou reverter esse resultado, visando o porte de uma empresa ou empresas com poder de mercado.

No entanto, existem muitos investimentos e inovações que – se permitidos – beneficiarão os consumidores, seja imediatamente ou no longo prazo, mas que podem ter algum efeito no aumento do poder de mercado, no porte de uma empresa ou em sua importância estratégica. De fato, melhorar os produtos de uma empresa e, assim, aumentar suas vendas muitas vezes levará a um aumento do poder de mercado.

Consequentemente, a segmentação de “porte/tamanho” ou conduta que reforça o poder de mercado, sem qualquer evidência de dano, cria um sério perigo de inibição muito ampla de pesquisa, inovação e investimento – tudo em detrimento dos consumidores. Na medida em que tais regras impeçam o crescimento e o desenvolvimento de empresas estabelecidas, elas também podem prejudicar a concorrência, uma vez é bem possível que essas mesmas empresas – se permitido – sejam mais propensas a desafiar o poder de mercado de outras empresas em outros mercados adjacentes. Os casos de lançamento de serviços de vídeo sob demanda da Disney, Apple, Amazon e Globo para competir com a Netflix e a introdução pela Meta do ‘Threads’, como um adversário do Twitter (ou ‘X’), parecem ser um exemplo. Neste caso, regras per se que tenham o objetivo de proibir o aumento do porte ou do poder de mercado em uma área podem, de fato, impedir a entrada de uma empresa em um mercado dominado por outra. Neste caso, a ação dos legisladores protege o poder de monopólio. Portanto, é necessária uma abordagem muito mais sutil da regulamentação.

A referência do Projeto de Lei 2768 a The Curse of Bigness, de Tim Wu, que notoriamente adota um ethos redutivo de “grande é ruim”, sugere que poderia estar sendo feita uma suposição igualmente falha.[42]

E.      Conclusão

Não consideramos apropriado reverter o ônus da prova em nenhum caso, no contexto das plataformas digitais. Sem evidências substanciais de que essa conduta cause danos generalizados a um interesse público bem definido (por exemplo, semelhante aos cartéis no contexto da lei de defesa da concorrência), não há justificativa para uma reversão do ônus da prova, e qualquer reversão nesse sentido corre o risco de minar os benefícios ao consumidor, a inovação e desencorajar o investimento na economia brasileira pelo medo justificado de que a conduta pró-concorrência resulte em multas e recursos. Da mesma forma, acreditamos que, quando o órgão executor nomeado estabelece um processo prima facie de dano, seja no contexto da lei de defesa da concorrência ou da regulamentação digital prévia, ele também deve estar preparado para abordar argumentos relacionados à eficiência.

Pergunta 9

É necessário que haja um regulador? Se sim, qual regulador estaria melhor capacitado para implementar a regulação prevista no PL 2768/2022? Anatel, o CADE, a ANPD, outro regulador existente ou novo? Justifique.

Apesar da falta de clareza com relação às metas e aos objetivos da lei, as regras propostas pelo Projeto de Lei 2768 parecem ser baseadas na concorrência, pelo menos na medida em que buscam reforçar a livre concorrência, a proteção do consumidor e combater o “abuso de poder econômico” (art. 4). Portanto, o órgão mais bem posicionado para aplicá-la seria, em princípio, o CADE (os objetivos da Lei 12.529/11, a Lei da Concorrência brasileira, se sobrepõem significativamente aos do Projeto de Lei 2768). Por outro lado, há um risco palpável de que, no cumprimento de suas atribuições nos termos do Projeto de Lei 2768, a Anatel poderia transpor a lógica e os princípios da regulamentação das telecomunicações para os mercados “digitais”, o que é um equívoco porque são duas coisas muito diferentes.

Não apenas os mercados “digitais” são substancialmente diferentes dos mercados de telecomunicações, mas realmente não existe um conceito claramente demarcado de “mercado digital”. Por exemplo, as plataformas digitais descritas no art. 6, parágrafo II, da Lei 2768 não são homogêneas e abrangem uma variedade de modelos de negócios diferentes. Além disso, praticamente todos os mercados hoje incorporam elementos “digitais”, como dados. De fato, as empresas que operam em setores tão divergentes como varejo, seguros, saúde, farmacêutica, produção e distribuição, foram todas “digitalizadas”. Assim, parece necessário um órgão executor com sutil entendimento da dinâmica da digitalização e, principalmente, das idiossincrasias das plataformas digitais como mercados bilaterais. Embora o CADE indiscutivelmente careça de experiência substantiva com plataformas digitais, ele está em melhor posição para fazer cumprir o Projeto de Lei 2768 do que a Anatel por causa de sua profunda experiência com a aplicação da política de concorrência.

Pergunta 10

Você avalia que poderia haver algum risco de bis in idem entre o regulador e a autoridade de concorrência com a mesma conduta sendo analisada por ambos?

Com base na experiência da UE, existe um risco de dupla penalização na interseção entre o direito da concorrência tradicional e a regulamentação digital prévia.

A título de comparação, e como escreveu Giuseppe Colangelo, o DMA baseia-se explicitamente na noção de que o direito da concorrência por si só é insuficiente para enfrentar efetivamente os desafios e problemas sistêmicos colocados pela economia da plataforma digital.[43] De fato, o escopo de defesa da concorrência é limitado a determinadas instâncias de poder de mercado (por exemplo, domínio em mercados específicos) e de comportamento anticompetitivo. Além disso, sua execução ocorre posteriormente e requer uma extensa investigação caso a caso do que muitas vezes são conjuntos de fatos muito complexos, e talvez não consigam abordar efetivamente os desafios ao bom funcionamento dos mercados colocados pela conduta dos guardiões, que não são necessariamente dominantes em termos do direito da concorrência — ou assim argumentam seus proponentes. Como resultado, regimes como o DMA invocam a intervenção regulatória para complementar as regras tradicionais do direito da concorrência, introduzindo um conjunto de obrigações prévias para plataformas on-line designadas como guardiães. Isso também permite que os órgãos executores se liberem do processo trabalhoso de definir mercados relevantes, provar dominância e mensurar os efeitos do mercado.

No entanto, apesar das alegações de que o DMA não é um instrumento do direito da concorrência e, portanto, não afetaria a forma como as regras de defesa da concorrência se aplicam nos mercados digitais, o regime parece obscurecer a linha entre regulamentação e defesa da concorrência, misturando suas respectivas características e objetivos. De fato, o DMA compartilha os mesmos objetivos e protege os mesmos interesses legais que o direito da concorrência.

Além disso, sua lista de proibições é efetivamente uma sinopse de processos de defesa da concorrência antigos e em andamento, como o Google Shopping (Processo T-612/17), a Apple (AT.40437) e a Amazon (Processos AT.40462 e AT.40703).[44] Reconhecendo a continuidade entre o direito da concorrência e o DMA, a European Competition Network (ECN) e alguns estados membros da UE (auto-intitulados “amigos de um DMA eficaz”) propuseram inicialmente capacitar as autoridades nacionais de defesa da concorrência (NCAs) para fazer cumprir as obrigações do DMA.[45]

Da mesma forma, as proibições e obrigações previstas no Art. 10 do PL 2768 poderiam, em tese, ser todas impostas pelo CADE. Na verdade, o CADE investigou, e ainda está investigando, várias grandes empresas que (provavelmente) se enquadram no âmbito do Projeto de Lei 2768, como o Google, Apple, Meta, (ainda sob investigação) Booking.com, Decolar.com, Expedia e iFood (investigações encerradas por acordo de cessação e desistência) e Uber (todas as investigações encerradas sem penalidades; após um estudo econômico, o CADE constatou que a entrada do Uber beneficiou os consumidores[46]). As investigações passadas e presentes do CADE contra essas empresas já abrangeram condutas que são alvo da DMA e do PL 2768, como recusa de negociação, auto preferência e discriminação.[47] As normas de concorrência existentes nos termos da Lei 12.529/11, a Lei de Concorrência Brasileira, portanto, claramente já captura o tipo de conduta que está incluída no Projeto de Lei 2768. Além disso, o requisito de usar dados “adequadamente” provavelmente é coberto pela regulamentação de proteção de dados no Brasil (Lei Geral de Proteção de Dados, LGPD, Lei Federal nº 13.709/2018).

A diferença entre os dois regimes é que, enquanto a lei geral antitruste exige uma demonstração de dano (mesmo que potencial) e isenta condutas com benefícios líquidos aos consumidores, o Projeto de Lei 2768, em princípio, não o faz. O único princípio limitante às proibições e obrigações contidas no Art. 10 Art. 11 (III) é o princípio da proporcionalidade — que é um princípio geral do direito constitucional e deve, em qualquer caso, ser aplicado independentemente do Projeto de Lei 2768. Assim, o único princípio limitante do Art. 10, enquadrado de forma ampla, é redundante.

Há uma outra complicação. O Projeto de Lei 2768 persegue muitos (embora não todos) dos mesmos objetivos que a Lei 12.529/11. Na medida em que esses objetivos são compartilhados, isso pode levar a um bis in idem, ou seja, a mesma conduta ser punida duas vezes sob regimes ligeiramente diferentes. Mas também poderia produzir resultados contraditórios porque, como apontado acima, os objetivos perseguidos pelos dois projetos de lei não são idênticos. A Lei 12.529/11 é orientada pelos objetivos de “livre concorrência, liberdade de iniciativa, papel social da propriedade, defesa do consumidor e prevenção do abuso do poder econômico” (Art. 1º). A esses objetivos, o Projeto de Lei 2768 acrescenta “redução das desigualdades regionais e sociais” e “aumento da participação social em questões de interesse público”. Embora seja verdade que esses princípios derivam do Art. 170 da Constituição Brasileira (“ordem econômica”), o descompasso entre os objetivos da Lei 12.529/11 e do Projeto de Lei 2768 e suas autoridades de supervisão é suficiente para levar a situações em que a conduta permitida ou mesmo incentivada pela Lei 12.529/11 é proibida pelo Projeto de Lei 2768. Por exemplo, a conduta pró concorrência por uma plataforma coberta pode, no entanto, exacerbar “desigualdades regionais ou sociais” porque investe fortemente em uma região, mas não em outras. Da mesma forma, medidas de segurança, privacidade e proteção implementadas por, digamos, um operador de uma App Store, que normalmente seriam consideradas benéficas para os consumidores nos termos da lei antitruste,[48] poderiam levar a uma menor participação em discussões de interesse público (assumindo que se poderia facilmente definir o significado de tal termo).

Consequentemente, o Projeto de Lei 2768 poderia fragmentar a estrutura legal do Brasil devido a sobreposições com o direito da concorrência, sufocar a conduta pró concorrência e levar a resultados contraditórios. Isso, por sua vez, provavelmente afetará a segurança jurídica e o estado democrático de direito no Brasil, o que poderia afetar adversamente o Investimento Estrangeiro Direto.[49] Além disso, é provável que a coordenação entre o CADE e a Anatel seja onerosa caso esta última acabe sendo a fiscalização designada do PL 2768. O Brasil teria essencialmente duas Leis que buscam objetivos iguais ou semelhantes sendo implementados por duas agências diferentes, com todos os custos extras de conformidade e coordenação que acompanham essa duplicidade.

Pergunta 11

Qual sua avaliação acerca do critério do art. 9 do PL 2768/2022? Deve ser alterado? Por qual critério? Cabe fazer a designação de detentor de poder de controle de acesso essencial serviço a serviço?

Esse critério parece arbitrário e, de qualquer modo, extremamente irrelevante. Não há nenhuma razão objetiva que vincule o “poder de controlar o acesso” ao volume de negócios. Além disso, mesmo que se admita, por uma questão de argumentação, que o volume de negócios é um indicador relevante de poder de gatekeeper, um limite de R$ 70 milhões capturaria dezenas, se não centenas, de empresas ativas em uma variedade de setores. Isso pode levar a uma situação em que uma lei que inicialmente — e supostamente — visava empresas “digitais” muito específicas, como o Google, Amazon, Apple, Microsoft, etc., acaba, em geral, cobrindo uma série de outras empresas comparativamente pequenas, incluindo alguns dos unicórnios mais valiosos do Brasil (ver Pergunta 7). Por outro lado, também é questionável, do ponto de vista do estado democrático de direito, se uma lei deve procurar identificar antecipadamente as empresas específicas às quais se aplicará.

As lições podem ser tiradas da DMCC do Reino Unido, que cometeu um erro semelhante. De acordo com o atual projeto da DMCC, a CMA do Reino Unido poderá designar uma empresa como se tivesse “status de mercado significativo” (“SMS”) se participar de uma “atividade digital ligada ao Reino Unido” e, em relação a essa atividade digital, se tiver “poder de mercado substancial e arraigado” e estiver em “uma posição de importância estratégica” (s. 2), assim como contar com um faturamento de pelo menos £ 1 bilhão no Reino Unido ou £ 25 bilhões globalmente (s. 7).[50] O governo britânico afirmou anteriormente que o “regime será direcionado a um pequeno número de empresas”.

No entanto, com exceção do limite monetário, os critérios de SMS são todos amplamente definidos e poderiam, em teoria, capturar até 530 empresas (em março de 2022, havia 530 empresas com mais de £ 1 bilhão em receita no Reino Unido, de acordo com o Departamento de Estatísticas Nacionais).[51] Assim, embora o governo afirme que o novo regime é destinado a um punhado de empresas, na prática, o CMA terá o poder de interferir de várias maneiras novas em amplas faixas da economia.

O Artigo 9º do Projeto de Lei 2768 se depara com um problema semelhante. Deferido, identifica os tipos de serviços aos quais o Projeto de Lei se aplicaria de uma forma que a DMCC não faz. No entanto, algumas das categorias previstas ainda são muito amplas: por exemplo, os serviços de intermediação online podem abranger qualquer site que conecte compradores e vendedores ou facilite transações entre duas partes. “Sistemas operacionais” são dispositivos eletrônicos predominantes muito além do iOS da Apple e do Android do Google. De fato, um sistema operacional é apenas um programa ou conjunto de programas de um sistema de computador, que gerencia os recursos físicos (hardware), os protocolos de execução do restante do conteúdo (software), bem como a interface do usuário. Eles podem ser encontrados em muitos dispositivos do dia a dia, seja por meio de interfaces gráficas de usuário, ambientes de desktop, gerenciadores de window ou linhas de comando, dependendo da natureza do dispositivo.

As empresas que prestam esses serviços, independentemente de sua posição na concorrência, participação de mercado, setor do qual fazem parte ou quaisquer outras considerações econômicas ou de fato, seriam todas abrangidas pelo PL 2768, desde que atendessem o (baixo) limite de R$ 70 milhões. O resultado é que o fiscalizador poderá aplicar a o Projeto de Lei 2768 contra uma série de empresas muito diferentes, algumas das quais podem realmente não estar em posição de prejudicar a concorrência ou usar indevidamente seu poder de mercado. Como consequência, o Projeto de Lei corre o risco de desencorajar o crescimento, a inovação e, de fato, o sucesso, à medida que as empresas se tornam cautelosas em ultrapassar um certo limite por medo de serem pegas na mira do regulador. Juntamente com uma reversão do ônus da prova e a possibilidade de ignorar argumentos de eficiência, o Projeto de Lei daria ao fiscalizador poderes robustos e não controlados, o que poderia levantar questões do estado democrático de direito.

Este problema pode ser remediado, pelo menos em certa medida, adicionando uma série de critérios qualitativos que podem ou não funcionar cumulativamente com os limites quantitativos previstos no Projeto de Lei. Esses critérios devem exigir uma demonstração de que as empresas em questão controlam o acesso a instalações essenciais, que tais instalações não podem ser razoavelmente replicadas e que o acesso está sendo negado com a ameaça de que a concorrência no mercado possa ser eliminada (consulte a Pergunta 1 para discussão sobre a integração da doutrina de instalações essenciais no Projeto de Lei 2768). Além disso, o Projeto de Lei 2768 deve alavancar as medições existentes do poder de mercado a partir da lei da concorrência, como a capacidade de controlar a produção e aumentar os preços. Os critérios quantitativos, se usados, devem ser significativamente maiores e também se referem ao número de usuários ativos em cada serviço de plataforma coberto. “Usuário ativo” deve, nesse sentido, ser definido como um usuário que usa um serviço específico pelo menos uma vez por dia e, no mínimo, uma vez por semana.

Pergunta 12

O que você achou das regras sobre o Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais do art. 15 do PL 2768/2022? Haveria uma outra forma de financiar este tipo de atividade regulatória do governo?

Existem muitas maneiras de financiar a atividade regulatória governamental que não exigem que as empresas-alvo paguem um imposto anual. As agências governamentais são normalmente financiadas pelo orçamento geral do governo — que deve ser o mesmo para a agência que executa o Projeto de Lei 2768.

Existem pelo menos duas questões sobre a abordagem atual nos termos do Art. 15. A primeira é a captura. Se a atividade de uma agência for financiada pelas empresas reguladas, isso pode levar à captura da agência pela empresa regulada e facilitar a busca de renda — ou seja, a situação em que uma empresa usa o regulador para obter uma vantagem injusta sobre os concorrentes. Em segundo lugar, também cria um incentivo por parte da agência e do governo para ampliar o escopo das empresas-alvo, como forma de garantir mais financiamento e recursos. Isso cria um incentivo perverso que não se alinha ao interesse público. Também desencoraja o investimento e, de certa forma, equivale a um clamor do governo.

Além disso, na medida em que o Projeto de Lei opera como uma restrição direta e direcionada ao exercício por certas empresas de sua liberdade econômica e direitos de propriedade privada para o benefício presumido do bem-estar público, parece apropriado que ele seja financiado por fundos de receita geral, distribuídos de acordo com a política tributária atual sobre toda a população contribuinte.

Pergunta 13

Em que medida você acredita que todos os problemas tratados no projeto de lei 2768/2022 já são adequadamente tratados pela legislação de concorrência, mais especificamente pelo CADE, com os instrumentos da Lei nº 12.529 de 2011?

Consulte a resposta à Pergunta 10.

O fato de o governo estar fazendo essa pergunta nesta fase do processo sugere que talvez o escopo e os detalhes do Projeto de Lei 2768 não tenham sido completamente pensados. O Projeto de Lei 2768 deve ser aprovado apenas se estiver claro que a lei de concorrência brasileira não está à altura da tarefa. Em comparação, e como indicado na resposta à pergunta 10 acima, praticamente toda a conduta na DMA da UE também foi abordada através da lei da concorrência da UE — muitas vezes a favor da Comissão. No entanto, a UE queria codificar um conjunto de regras que garantissem que a Comissão não tivesse que litigar em processos perante os tribunais e vencesse todos os processos — ou pelo menos a grande maioria deles — contra plataformas digitais. Mas essa decisão, com a qual se pode ou não concordar, veio depois de pelo menos alguma experiência na aplicação da lei da concorrência às plataformas digitais e da determinação de que os ganhos de tal abordagem superariam os custos manifestos.

Por outro lado, o CADE do Brasil goza de uma experiência muito mais limitada nesse sentido e o próprio Brasil apresenta realidades econômicas e interesses de consumo muito diferentes que podem não render a mesma análise de custo/benefício. Como mencionado acima, as únicas “penalidades” impostas pelo CADE contra “plataformas digitais” resultaram de acordos voluntários, o que significa que houve uma necessidade limitada de litigar em processos “digitais” no Brasil. Há uma sensação persistente de que o Projeto de Lei 2768 foi proposto não em resposta a deficiências na estrutura da lei da concorrência existente, ou em resposta às necessidades identificadas específicas do Brasil, mas como uma resposta às “tendências globais” iniciadas pela UE.

O Art. 13 do PL 2768, por exemplo, prevê que as incorporações por empresas abrangidas serão examinadas de acordo com as regras gerais da lei da concorrência aplicáveis a outras empresas e em outros setores. Não está claro por que a mesma lógica não poderia ser aplicada em todos os setores — ou seja, a todas as condutas potencialmente contra a concorrência por empresas visadas. Por que algumas condutas que podem ser abordadas por meio da lei antitruste exigem regulamentação especial, mas outras não?

Pergunta 14

Que problemas poderiam ser gerados para a atividade de inovação das plataformas digitais caso haja a regulação de plataformas digitais propostas pelo Projeto de Lei 2768/2022? Isso poderia ser tratado de alguma forma dentro do PL 2768/2022?

De fato, não está de forma alguma claro que as circunstâncias particulares do Brasil sejam passíveis de uma abordagem “ex ante” semelhante à da UE.

Proibições e obrigações amplas, como as impostas pelo Art. 10 do Projeto de Lei 2768, correm o risco de esfriar a conduta inovadora e congelar a tecnologia existente. Como o décimo país classificado no mercado global de tecnologia da informação e com centenas de startups no setor de IA, o Brasil é um mercado em expansão com um tremendo potencial.[52] Sua população de 214 milhões significa que as tendências de crescimento devem continuar — e, com certeza, o número de empregos em aplicativos cresceu 54% em 2023 em comparação com 2019.[53]

No entanto, regras estáticas e rígidas, como as previstas pelo Projeto de Lei 2768, podem cortar o crescimento das startups brasileiras pela raiz, impondo custos regulatórios insuperáveis (que, de qualquer forma, beneficiariam os operadores estabelecidos em comparação com concorrentes menores) e proibindo condutas capazes de promover o crescimento, beneficiar os consumidores e inflamar a concorrência, como a auto preferência e a recusa em negociar.

De fato, ambas as práticas podem — e muitas vezes são — socialmente benéficas. Conforme discutido na Pergunta 8, apesar de sua recente difamação por alguns formuladores de políticas, a “auto preferência” é uma conduta comercial normal e uma razão fundamental para a integração vertical eficiente, que evita a dupla marginalização e permite que as empresas coordenem melhor a produção, distribuição e venda de forma mais eficiente — tudo em benefício final dos consumidores. Por exemplo, serviços de varejo, como a Amazon, que preferem seus próprios serviços de entrega, como no caso de “Entrega pela Amazon”, oferecem aos consumidores algo que eles valorizam tremendamente: uma garantia de entrega rápida. Como escrevemos em outro lugar:

A concessão de privilégios de marketplace pela Amazon a produtos [Entrega pela Amazon] pode ajudar os usuários a escolher os produtos que a Amazon pode garantir que melhor atenderão às suas necessidades. Isso é perfeitamente plausível, pois os clientes mostraram repetidamente que muitas vezes preferem opções menos abertas e menos neutras.[54]

Em um relatório recente, a Comissão Australiana de Concorrência reconheceu esse fato, afirmando que a auto preferência é muitas vezes benigna e pode levar a benefícios pró concorrência.[55] De fato, existem muitas razões legítimas pelas quais as empresas podem optar pela auto preferência, incluindo melhor experiência do cliente, atendimento ao cliente, escolha mais relevante (curadoria) e preços mais baixos.[56] Assim, proibir a auto preferência, ou de outra forma desencorajar significativamente as empresas de se engajarem na auto preferência, poderia prejudicar o crescimento da empresa — inclusive por empresas brasileiras que estão atualmente em um estágio inicial de desenvolvimento — e impedir a entrada de empresas que poderiam ser inovadoras no mercado.

Da mesma forma, forçar as empresas a lidar com terceiros poderia sufocar a inovação, incentivando o efeito carona (free-riding) e desencorajando as empresas a fazer investimentos. De fato, por que uma empresa inovaria ou investiria se sabe que terá que compartilhar esses investimentos e inovações com concorrentes passivos que não assumiram nenhum desses riscos? A consequência é um impasse em que, em vez de lutar para ser o primeiro a inovar e desfrutar dos frutos gerados por essa inovação, as empresas são incentivadas a jogar com o sistema, esperando que os outros deem o primeiro passo para, em seguida, aproveitar as conquistas. Isso essencialmente inverte o processo de concorrência dinâmica, reorganizando artificialmente o incentivo à inovação e ao investimento versus o incentivo ao free-ride, reduzindo os benefícios do primeiro e aumentando os benefícios do segundo.

Seria catastrófico criar uma barreira na capacidade do Brasil de expandir seu setor de tecnologia e inovar — especialmente considerando o vasto potencial do país. De fato, em vez de um triunfo da regulamentação sobre a inovação, o Brasil deve se esforçar para ser exatamente o oposto.[57]

Pergunta 15

Quais seriam as dificuldades práticas de aplicação deste tipo de legislação contemplado pelo PL 2768/2022?

Os fundos para financiar o que poderia ser uma quantidade considerável de execução são necessários, mas não suficientes, para garantir a eficácia. Na UE, a DG Concorrência da Comissão, uma das principais e mais bem dotadas autoridades de concorrência do mundo, luta para contratar o pessoal necessário para implementar a Lei dos Mercados Digitais. Em suma, os “especialistas em DMA” atualmente não existem — e a Comissão terá que treinar esses especialistas ou contratá-los quando a experiência se desenvolver por meio da aplicação da lei. Mas isso cria um cenário de galinha e ovo, em que a fiscalização — ou pelo menos uma boa fiscalização — não pode acontecer sem bons especialistas, e bons especialistas não podem se materializar sem fiscalização. Não há razão para acreditar que essas considerações não se enquadram no contexto brasileiro.

O Brasil, no entanto, enfrenta um desafio adicional: atrair talentos. Ao contrário da UE, onde os cargos na Comissão são altamente cobiçados devido aos altos salários, benefícios e segurança no emprego que conferem, os recursos do CADE são mais modestos e provavelmente não podem competir plenamente com o setor privado. Assim, antes de aprovar o Projeto de Lei 2768, o governo deve ser claro sobre como a lei seria aplicada e por quem.

Outras questões incluem o pesado ônus de conformidade do Projeto de Lei, que afetará não apenas os chamados “gigantes da tecnologia”, mas qualquer empresa acima do modesto limite de faturamento de R$ 70 milhões, as dificuldades em interpretar as proibições e obrigações ambíguas previstas no Art. 10 (e o litígio que pode ocorrer, vide Pergunta 16), o custo de elaboração de recursos adequados na acepção do Art. 10 e a possibilidade iminente de que o Projeto de Lei capture a conduta pró concorrência e sufoque a inovação. Como escrevemos com relação aos países da ASEAN e à possibilidade de implementar a regulamentação da concorrência no estilo da UE:

As nações da ASEAN têm políticas extremamente diversas em relação ao papel do governo na economia. Simplificando, algumas das nações da ASEAN parecem inadequadas para a tecnocracia de longo alcance que quase inevitavelmente flui da adoção do modelo europeu de fiscalização da concorrência. Outros podem simplesmente não ter recursos suficientes para agências de pessoal que poderiam, satisfatoriamente, realizar o tipo de investigação de longo alcance pelas quais a Comissão Europeia é famosa.[58]

Pergunta 16

Você vê muito espaço para judicialização deste tipo de regulação previsto no PL 2768/2022? Em quais dispositivos?

A aplicação do Projeto de Lei 2768 provavelmente levará a litígios substanciais, até porque muitos dos conceitos centrais do Projeto de Lei são ambíguos e abertos à interpretação.

Por exemplo, o que implica uma conduta “discriminatória” na acepção do Art. 10, parágrafo II? Uma plataforma coberta pode tratar os usuários de negócios de forma diferente com base em critérios objetivos, como qualidade, histórico e confiabilidade, ou todos os usuários de negócios devem ser tratados igualmente? Nesse sentido, é incerto se o significado específico atribuído a “conduta discriminatória” no âmbito da lei da concorrência se aplica no contexto. Da mesma forma, o que significa o uso “adequado” dos dados coletados no exercício das atividades de uma empresa (parágrafo III)? O parágrafo IV do Art. 10 implica que uma plataforma coberta nunca pode negar acesso a usuários comerciais? Presumivelmente, as plataformas cobertas vão querer saber como e por que essa obrigação geral se desvia da doutrina de instalações essenciais mais restritas nos termos da lei de concorrência brasileira.

O Art. 11 acrescenta certas ressalvas a isso, como que a intervenção deve ser adaptada, proporcional e considerar o impacto, os custos e os benefícios. Novamente, que tipo de impacto, custos e benefícios são relevantes — para consumidores, usuários comerciais, a plataforma coberta, a sociedade como um todo?

Se isso for verdade, é provável que o Projeto de Lei 2768 seja legalmente controverso.

Pergunta 17

As definições do art. 6º do projeto de lei 2768/2022 estão adequadas para o propósito desta proposição?

O Art. 6º e, de fato, todo o ímpeto por trás do Projeto de Lei 2768 se baseiam em duas premissas questionáveis:

  1. Que os produtos e serviços cobertos são diferentes de outros produtos ou serviços; e

Que esses produtos e serviços são suficientemente semelhantes para serem considerados (e regulamentados) como um grupo.

O primeiro seria mais convincente se os recursos previstos no PL, como não discriminação, uso adequado de dados e acesso, não tivessem sido utilizados anteriormente em outros mercados e para outros produtos. A concessão de acesso em termos “justos, razoáveis e não discriminatórios” (“FRAND”) é frequentemente usada no contexto da lei de concorrência e da lei de PI, ambas aplicáveis em todos os setores. O dever de usar os dados “adequadamente” é geralmente previsto nas leis de proteção de dados, que também se aplicam amplamente. O mesmo pode ser dito para as obrigações de acesso, que são frequentes nos termos da lei da concorrência e em indústrias regulamentadas (como telecomunicações ou ferrovias).

Além disso, nem os produtos e serviços do Art. 6º do PL, as empresas que os operam, nem os modelos de negócios que empregam são monolíticos. Assistentes de voz e mídias sociais, por exemplo, são produtos muito diferentes. Isso também pode ser dito sobre a computação em nuvem, que não é realmente uma “plataforma” no sentido de que, digamos, a intermediação é online. Os produtos e serviços no Art. 6 também são altamente heterogêneos, com uma única categoria abrangendo uma lista heterogênea de produtos, de comércio eletrônico a mapas on-line e lojas de aplicativos.

O mesmo argumento se aplica às empresas que vendem esses produtos e serviços, que — apesar do onipresente apelido de “Gigantes da Tecnologia” — são, em última análise, empresas muito diferentes.[59] Como disse o CEO da Apple, Tim Cook: “A tecnologia não é monolítica. Isso seria como dizer que “Todos os restaurantes são iguais” ou “Todas as redes de TV são iguais”. ”[60]

Por exemplo, enquanto o Google (Alphabet) e o Facebook (Meta) são empresas de tecnologia da informação especializadas em publicidade online, a Apple continua sendo principalmente uma empresa de eletrônicos, com cerca de 75% de sua receita proveniente da venda de iMacs, iPhones, iPads e acessórios. Como Amanda Lotz, da Universidade de Michigan, observou:

Os lucros dessas vendas de [hardware] permitem que a Apple use estratégias muito diferentes das empresas não relacionadas a hardware [“Gigantes da Tecnologia”] com as quais é frequentemente comparada.[61]

Isso também significa que a maioria de seus outros negócios — como iMessage, iTunes, Apple Pay, etc. — são complementos que “a Apple usa estrategicamente para apoiar seu foco principal como empresa de hardware”. A Amazon, por outro lado, é principalmente uma varejista, com suas divisões Amazon Web Services e de publicidade respondendo por apenas 15% e 7% da receita da empresa, respectivamente.[62]

Mesmo quando dois “gatekeepers” estão ativos no mesmo mercado de produtos/serviços, eles geralmente têm modelos e práticas de negócios notavelmente diferentes. Assim, apesar de ambos venderem sistemas operacionais para celulares, o Android (Google) e a Apple empregam filosofias de design de produtos muito diferentes. Como argumentamos em um instrumento amicus curiae apresentado no mês passado à Suprema Corte dos EUA no processo Apple v. Epic Games:

Para a Apple e seus usuários, a referência de uma boa plataforma não é a “abertura”, mas a seleção e a segurança cuidadosamente aplicadas, entendidas em termos gerais como se abrangessem a remoção de conteúdo questionável, a proteção da privacidade e a proteção contra a “engenharia social”, e assim por diante…. Por outro lado, a aposta do Android é no modelo de plataforma aberta, que sacrifica algum grau de segurança pela maior variedade e personalização associadas a uma distribuição mais aberta. Essas são diferenças legítimas no design do produto e na filosofia de negócios.[63]

Essas várias empresas e mercados têm diversos incentivos, estratégias e designs de produtos, desmentindo, portanto, a ideia de que existe qualquer noção econômica e tecnicamente coerente do que compreende “gatekeeping”. Em outras palavras, tanto os produtos e serviços que estariam sujeitos ao Art. 6º do PL 2768 quanto essas próprias empresas são altamente heterogêneos e não está claro por que eles são colocados sob o mesmo aspecto.

Pergunta 18

Em lugar de uma regulação ex-ante pura, faria sentido algum outro tipo de acompanhamento e/ou regulação dos mercados digitais?

Uma unidade especial dentro do CADE, operando dentro dos limites das leis antitruste atuais, deve ser seriamente avaliada antes de se apressar para adotar uma regulamentação ex ante de longo alcance nos mercados digitais. A maior parte da conduta abrangida pela regulamentação ex ante na UE, por exemplo, é derivada de processos envolvendo o direito da concorrência. Isto sugere que tal conduta se enquadra nos limites do direito tradicional da concorrência e pode ser devidamente abordada através do direito da concorrência da UE.

Consequentemente, uma unidade digital dentro do CADE alavancaria o expertise de funcionários com experiência na aplicação da lei antitruste aos “mercados digitais”. As chances são de que, se tal unidade não puder ser formada dentro do CADE, que possui funcionários com a experiência que mais se assemelha ao que seria necessário para fazer cumprir o Projeto de Lei 2768, provavelmente não poderá ser formada em nenhum outro lugar — pelo menos não sem desviar talentos do CADE. Isso seria um erro, pois o CADE tem um papel essencial na supressão de comportamentos que prejudicam inequivocamente o interesse público, como os cartéis (indiscutivelmente, é aí que o Brasil deveria concentrar seus recursos).[64] A criação de uma nova unidade para processar novas condutas com efeitos incertos sobre o bem-estar social em detrimento da supressão de condutas manifestamente prejudiciais não passa por uma análise de custo-benefício e, em última análise, prejudicaria a economia do Brasil.

Pergunta 19

Você acha que o conjunto de soluções descritas no art. 10 do PL 2768/2022 são adequadas?

É difícil responder a essa pergunta sem uma noção clara do que o Projeto de Lei 2768 visa alcançar. Adequado para quê?

Pergunta 20

O conjunto de sanções previstas no art. 16 do PL 2768/2022 está adequado?

Também difícil de responder. Se o objetivo é frustrar todas as condutas proibidas, independentemente das consequências para a inovação, o investimento e a satisfação do consumidor, então é necessária uma multa alta — e muitas empresas deixarão de fazer negócios como resultado (o que efetivamente interromperá todo comportamento indesejável – mas também todo comportamento desejável). Se aumentar a receita é o objetivo, então a quantidade de fiscalização vezes o nível de sanção precisa ser baixa o suficiente para operar não como um obstáculo ao comportamento, mas como uma taxa para fazer negócios. Não sabemos se o nível de sanções no Art. 16 é apropriado para isso — nem, acrescentamos, se essa é a intenção de tal lei!

Por outro lado, se a dissuasão ideal é o objetivo, a imposição de sanções consideravelmente mais baixas do que as da UE (como seria uma sanção de 2% do faturamento brasileiro das empresas infratoras) parece razoável. Multas por infrações antitruste na UE podem ser de até 10% do faturamento mundial da empresa; e multas por violações do DMA podem chegar a 20%.[65] Mas o Brasil não deve procurar dissuadir o investimento e a inovação na medida em que a UE o fez.

É claro que é difícil identificar um nexo de causalidade entre multas de concorrência e investimento/inovação. Mas o que sabemos é o seguinte: O ritmo de crescimento econômico na Europa ficou atrás dos EUA por uma margem significativa:

Quinze anos atrás, o tamanho da economia europeia era 10% maior que o dos EUA, no entanto, em 2022, era 23% menor. O PIB da União Europeia (incluindo o Reino Unido antes do Brexit) cresceu neste período em 21% (medido em dólares), em comparação com 72% dos EUA e 290% da China.[66]

Enquanto isso, nenhuma das 10 maiores empresas de tecnologia do mundo, e apenas duas das 25 maiores, estão sediadas na Europa.[67] E as grandes multinacionais americanas e asiáticas estão espalhadas por toda a indústria de tecnologia, desde componentes eletrônicos (chips, telefones celulares e computadores) até empresas de desenvolvimento de aplicativos, sites e comércio eletrônico. Pode haver muitas razões para essas discrepâncias, mas uma delas é quase certamente as diferenças nos ambientes regulatórios econômicos, incluindo a extensão da dissuasão da lei da concorrência.[68]

Pergunta 21

O art. 10 prevê várias obrigações em uma lista não taxativa na qual o regulador poderia impor outras medidas. Caberia prever um rol taxativo de medidas?

Listas exaustivas têm a vantagem de promover a previsibilidade e a discrição do fiscalizador, limitando assim a busca de renda e garantindo que a execução permaneça vinculada ao interesse público. Supondo, é claro, que o tipo de medidas previstas atue no interesse público em primeiro lugar.

O problema de como o Projeto de Lei 2768 é enquadrado em seu estado atual é que ele é muito aberto. É compreensível que o Projeto de Lei 2768 não queira amarrar as mãos dos fiscalizadores e tenha optado por intervenções sob medida, em vez de proibições e obrigações gerais. Isso é bom. No entanto, não deve vir à custa da segurança jurídica e não deve deixar de impor limites ao poder discricionário do fiscalizador. Atualmente, isso não parece ser o caso.

O Art. 10 prevê, assim, que os operadores de plataforma estarão sujeitos “entre outras, às seguintes obrigações…” Não está claro, a partir desta lista numerus apertus, o que o fiscalizador pode e não pode fazer. Mas o problema é mais profundo do que apenas o Artigo 10; em nenhum lugar do Projeto de Lei é explicado quais são os objetivos das novas regras. A proposta de reformulação do Artigo 19-A da Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, nos parágrafos III, IV e V, é vaga – não impõe princípios limitantes suficientemente claros que estejam ao alcance do Projeto de Lei. De fato, sugere que os objetivos do Projeto de Lei 2768 seriam prevenir conflitos de interesse, prevenir violações de direitos do usuário e prevenir infrações econômicas por plataformas digitais em áreas de competência do CADE. O Artigo 4º do PL 2768 inclui outros objetivos: liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução da desigualdade regional e social, repressão ao poder econômico e reforço à participação social. Em outros pontos, está implícito que o objetivo é diminuir o “poder de gatekeeper” (em “Justificativas”).

Em outras palavras, não está claro o que o Projeto de Lei 2768 não permite que o fiscalizador faça.

Além disso, as proibições e obrigações dos Parágrafos I-IV do Art. 10 são igualmente obscuras. Por exemplo, qual é o uso “adequado” dos dados coletados? (III). O parágrafo IV implica que uma plataforma direcionada nunca pode recusar o acesso ao seu serviço? Na verdade, uma coisa que está faltando no Projeto de Lei 2768 é a capacidade de escapar de uma proibição ou obrigação, demonstrando eficiências ou por meio de uma justificativa objetiva (como, por exemplo, segurança e proteção ou privacidade).

Claramente, o Projeto de Lei 2768 não pode prever todos os casos em que o Art. 10 será usado. Contudo, a fim de encontrar um equilíbrio entre a agilidade do fiscalizador e a administração e previsibilidade da lei, ele precisa dar uma explicação mais focada dos objetivos do Projeto de Lei e como as disposições do Art. 10 ajudam a alcançá-los. Em outras palavras: Os Artigos 3, 4 e 10 precisam ser muito mais claros. Caso contrário, o Projeto de Lei corre o risco de mais prejudicar do que ajudar empresas-alvo, usuários comerciais, concorrentes e, em última análise, os consumidores. A seção “Justificativas” do Projeto de Lei afirma que não deseja impor uma “camisa de força” às empresas visadas por meio da imposição de regras ex ante rígidas. Isso é razoável, especialmente considerando a falta de provas de danos inequívocos. Mas conceder a um fiscalizador como a Anatel, que não tem experiência em “mercados digitais”, poderes amplamente definidos para intervir com base em objetivos igualmente amplos equivale a impor uma camisa de força com outro nome. Em um “cenário” regulatório em que as empresas nunca têm certeza do que é e do que não é permitido, algumas podem razoavelmente optar por não assumir riscos, inovar e trazer novos produtos ao mercado – porque não desejam correr o risco de estarem sujeitas a multas (Art. 16) e possíveis soluções estruturais, como rupturas (Art. 10, parágrafo único). Em outras palavras, eles podem assumir que muito mais é proibido do que é realmente proibido.

 

[1] PL 2768/2022, Dispõe sobre a organização, o funcionamento e a operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro e dá outras providências, available at https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2337417.

[2] REGULAMENTO (EU) 2022/1925 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de14 de setembro de 2022 relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital e que altera as Diretivas (UE) 2019/1937 e (UE) 2020/1828 (Regulamento dos Mercados Digitais).

[3] Processo C-7/97 Bronner, EU:C:1998:569.

[4] Vide, por exemplo, a decisão majoritária da Comissária Ana Frazão no Processo nº 08012.003918/2005-14 (Requerida: Telemar Norte Leste S.A.), parágrafos 60-62, https://tinyurl.com/4dc38vvk.

[5] Vide decisão majoritária relatada do Comissário Mauricio Maia no Processo Administrativo nº 08012.010483/2011-94 (Requeridas: Google Inc. e Google Brasil Internet Ltda.), parágrafos 180-94; 224-42, https://tinyurl.com/3c9emytw.

[6] Um relatório de 2021 do IBRAC identificou a alta taxa de entrada no mercado de plataformas de vendas on-line. Vide IBRAC, Revista do Revista do IBRAC Número 2-2021, disponível em https://ibrac.org.br/UPLOADS/PDF/RevistadoIBRAC/Revista_do_IBRAC_2_2021.pdf.

[7] Bronner, Par. 67.

[8] Vide Colangelo, G. (2022). The Digital Markets Act and EU Antitrust Enforcement: Double & Triple Jeopardy, ICLE White Paper, disponível em: https://laweconcenter.org/resources/the-digital-markets-act-and-eu-antitrust-enforcement-double-triple-jeopardy.

[9] CADE, Mercados de Plataformas Digitais, SEPN 515 Conjunto D, Lote 4, Ed. Carlos Taurisano CEP: 70.770-504 – Brasília/DF, disponível em https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/Caderno_Plataformas-Digitais_Atualizado_29.08.pdf.

[10] Sobre a noção de que as regras do estilo DMA são “leis de concorrência específicas do setor”, vide Nicolas Petit, The Proposed Digital Markets Act (DMA): A Legal and Policy Review, 12 J. Eur. Compet. Law & Pract. 529 (11 Maio 2021).

[11] Vide Verizon Communications, Inc. v. Law Offices of Curtis v. Trinko, LLP, 540 U.S. 398 (2003). “Obrigar essas empresas a compartilhar a fonte de sua vantagem tensiona, de alguma forma, o propósito subjacente da lei de defesa da concorrência, uma vez que pode diminuir o incentivo para o monopolista, o rival ou ambos investirem nessas instalações economicamente benéficas.”

[12] Hou, L. (2012). The Essential Facilities Doctrine – What Was Wrong in Microsoft? International Review of Intellectual Property and Competition Law, 43(4), 251-71, 260.

[13] Vide Williamson, O.E., The Vertical Integration of Production: Market Failure Considerations, 61 Am. Econ. Rev. 112/1971); Klein, B., Asset Specificity and Holdups, em The Elgar Companion to Transaction Cost Economics, PG Klein & M. Sykuta, eds. (Edward Elgar Publishing, 2010), 120–126.

[14] Decisão da Comissão nº AT.39740 — Google Search (Shopping).

[15] A. Hoffman, Where Does Website Traffic Come From: Search Engine and Referral Traffic, Traffic Generation Café (25 Dezembro 2018), https://trafficgenerationcafe.com/website-traffic-source-search-engine-referral.

[16] Vide Manne, G., Against the vertical discrimination presumption (Maio 2020), Concurrences N° 2-2020, Art. N° 94267, https://www.concurrences.com/en/review/numeros/no-2-2020/editorial/foreword.

[17] Sobre a necessidade de cautela ao conceder um direito de acesso, vide, por exemplo, Trinko: “Temos sido muito cautelosos ao reconhecer essas exceções [ao direito de [um] comerciante ou fabricante envolvido em um negócio inteiramente privado, de livremente exercer seu próprio critério independente quanto às partes com as quais ele negociará], devido à característica incerta de compartilhamento forçado e à dificuldade de identificar e remediar condutas contra a concorrência por uma única empresa.”

[18] United States v. Aluminum Co. of America, 148 F.2d 416, 430 (2d Cir. 1945).

[19] “Assim, como uma questão geral, a Lei Sherman ‘não restringe o direito reconhecido há muito tempo de [um] comerciante ou fabricante envolvido em um negócio inteiramente privado, de livremente exercer seu próprio critério independente quanto às partes com as quais ele negociará.’” United States v. Colgate & Co., 250 U. S. 300, 307 (1919).

[20] Foremost Pro Color, Inc. v. Eastman Kodak Co., 703 F.2d 534, 545 (9th Cir. 1983) (citações omitidas).

[21] Vide Manne, G. & B. Sperry, Debunking the Myth of a Data Barrier to Entry for Online Services. Truth on the Market (26/03/2015), disponível em: https://truthonthemarket.com/2015/03/26/debunking-the-myth-of-a-data-barrier-to-entry-for-online-services; Manne, G. & B. Sperry (2014). The Law and Economics of Data and Privacy in Antitrust Analysis, 2014 TPRC Conference Paper, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2418779.

[22] Vide geralmente, Grunes, A. & M. Stucke (2016). Big Data and Competition Policy. Oxford University Press, Oxford; Newman, N. (2014). Antitrust and the Economics of the Control of User Data. Yale Journal on Regulation, 30:3.

[23] Vide os exemplos discutidos em Manne, G. & B. Sperry, Debunking the Myth of a Data Barrier to Entry for Online Services. Truth on the Market (26 Março 2015), disponível em: https://truthonthemarket.com/2015/03/26/debunking-the-myth-of-a-data-barrier-to-entry-for-online-services.

[24] Lerner, A. (2014). The Role of ‘Big Data’ in Online Platform Competition, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2482780.

 

 

[25] Bowman, S. & G. Manne, Platform Self-Preferencing can be Good for Consumers and even Competitors, Truth on the Market (4 Março 2021), disponível em: https://truthonthemarket.com/2021/03/04/platform-self-preferencing-can-be-good-for-consumers-and-even-competitors.

[26] C. Goujard, Google forced to postpone Bard chatbot’s EU launch over privacy concerns, Politico (13 Junho 2023), disponível em: https://www.politico.eu/article/google-postpone-bard-chatbot-eu-launch-privacy-concern.

[27] M. Kelly, Here ‘s why Threads is delayed in Europe, The Verge (10 Julho 2023), disponível em: https://www.theverge.com/23789754/threads-meta-twitter-eu-dma-digital-markets.

[28] Musk considers removing X platform from Europe over EU law, Euractiv (19 Outubro 2023), disponível em: https://www.euractiv.com/section/platforms/news/musk-considers-removing-x-platform-from-europe-over-eu-law.

[29] Jud, M. Still no Copilot in Europe: Microsoft Rolls out 23H2 Update, Digitec.ch (10 Novembro 2023), disponível em: https://www.digitec.ch/en/page/still-no-windows-copilot-in-europe-microsoft-rolls-out-23h2-update-30279.

[30] The Future is Bright for Latin American Startups, The Economist (13 Novembro 2023), disponível em: https://www.economist.com/the-world-ahead/2023/11/13/the-future-is-bright-for-latin-american-startups.

[31] Vide Distrito (2023), Panorama Tech América Latina, disponível em: https://static.poder360.com.br/2023/09/latam-report-1.pdf.

[32] O seguinte é adaptado do processo Manne, G., Against the vertical discrimination presumption (Maio 2020), Concurrences N° 2-2020, Art. N° 94267, https://www.concurrences.com/en/review/numeros/no-2-2020/editorial/foreword e nossos comentários sobre a proposta de Projeto de Lei de Mercados Digitais, Concorrência e Consumidores do Reino Unido (“DMCC”): Auer, D., M. Lesh & L. Radic (2023). Digital Overload: How the Digital Markets, Competition and Consumers Bill ‘s sweeping new powers threaten Britain’ s economy, IEA Perspectives 4, 16-21, disponível em: https://iea.org.uk/wp-content/uploads/2023/09/Perspectives_4_Digital-overload_web.pdf.

[33] H. Singer, How Big Tech Threatens Economic Liberty, The Am. Conserv. (7 Maio 2019), https://www.theamericanconservative.com/articles/how-big-tech-threatens-economic-liberty.

[34] A maioria dessas teorias, deve-se notar, ignora a literatura de estratégia relevante e abundante sobre a complexidade da dinâmica da plataforma. Vide, por exemplo, J. M. Barnett, The Host ‘s Dilemma: Strategic Forfeiture in Platform Markets for Informational Goods, 124 Harv. L. Rev. 1861 (2011); D. J. Teece, Profiting from technological innovation: Implications for integration, collaboration, licensing and public policy, 15 Res. Pol’y 285 (1986); A. Hagiu & K. Boudreau, Platform Rules: Multi-Sided Platforms as Regulators, in Platforms, Markets and Innovation, A. Gawer, ed. (Edward Elgar Publishing, 2009); K. Boudreau, Open Platform Strategies and Innovation: Granting Access vs. Devolving Control, 56 Mgmt. Sci. 1849 (2010).

[35] Para exemplos desta literatura e uma breve discussão de suas descobertas, vide Manne, G., Against the vertical discrimination presumption, maio de 2020, Concurrences N° 2-2020, Art. N° 94267, https://www.concurrences.com/en/review/numeros/no-2-2020/editorial/foreword.

[36] International Center for Law & Economics (2022). International Center for Law & Economics Amicus Curiae Brief submetido ao Tribunal Federal de Recursos da Nona Circunscrição 20-21. https://tinyurl.com/ywu553vb.

[37] Vide, em geral, Hagiu & Boudreau, Platform Rules: Multi-Sided Platforms as Regulators, supra note 31; Barnett, The Host’s Dilemma, supra note 31.

[38] Barnett, J., id.

[39] Vide Radic, L. and G. Manne (2022) Amazon Italy’s Efficiency Offense. Truth on the Market (11 Janeiro 2022), https://tinyurl.com/2uht4fvw.

[40] Apresentado como Projeto de Lei 294 (2022-23), atualmente Projeto de Lei HL 12 (2023-24), Digital Markets, Competition and Consumers Bill, disponível em https://bills.parliament.uk/bills/3453.

[41] Farrell, J., & P. Klemperer (2007). Coordination and Lock-In: Competition with Switching Costs and Network Effects, Handbook of Industrial Organization 3, 1967-2072, disponível em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1573448X06030317.

[42] Projeto de Lei 2768, “Justificativas”. Vide também Wu, T. (2018). The Curse of Bigness: Antitrust in the New Gilded Age, Columbia Global Reports.

[43] Colangelo, G. (2022). The Digital Markets Act and EU Antitrust Enforcement: Double & Triple Jeopardy, ICLE White Paper 2022-03-23, disponível em https://laweconcenter.org/wp-content/uploads/2022/03/Giuseppe-Double-triple-jeopardy-final-draft-20220225.pdf.

[44] Vide também Caffarra, C. e F. Scott Morton, The European Commission Digital Markets Act: A Translation, Vox EU (5 Janeiro 2021), disponível em: https://voxeu.org/article/european-commission-digital-markets-act-translation.

[45] How National Competition Agencies Can Strengthen the DMA, European Competition Network (22 Junho 2021), disponível em: https://ec.europa.eu/competition/ecn/DMA_joint_EU_NCAs_paper_21.06.2021.pdf.

[46] Para ver estudo completo, consulte https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2018/documento-de-trabalho-n01-2018-efeitos-concorrenciais-da-economia-do-compartilhamento-no-brasil-a-entrada-da-uber-afetou-o-mercado-de-aplicativos-de-taxi-entre-2014-e-2016.pdf.

[47] Para uma visão detalhada das decisões do CADE sobre plataformas digitais e serviços de pagamentos, acesse: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/mercado-de-instrumentos-de-pagamento-2019.pdf; https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/Caderno_Plataformas-Digitais_Atualizado_29.08.pdf.

[48] Vide, por exemplo, Epic Games, Inc. v. Apple Inc. 20-cv-05640-YGR.

[49] Staats, J. L., & G. Biglaiser (2012). Foreign Direct Investment in Latin America: The Importance of Judicial Strength and Rule of Law. International Studies Quarterly, 56(1), 193–202. https://doi.org/10.1111/j.1468-2478.2011.00690.x.

 

[50] HL Bill 12 (2023-24), Digital Markets, Competition and Consumers Bill, disponível em https://bills.parliament.uk/bills/3453.

[51] Auer, D., M. Lesh, & L. Radic (2023). Digital Overload: How the Digital Markets, Competition and Consumers Bill’s sweeping new powers threaten Britain’s economy, IEA Perspectives 4, 16-21, disponível em: https://iea.org.uk/wp-content/uploads/2023/09/Perspectives_4_Digital-overload_web.pdf.

[52] Vide Dailey, M. Why the US. Rejected European Style Digital Markets Regulation: Considerations for Brazil’s Tech Landscape, Progressive Policy Institute (2 Outubro 2023), pp 5-6, disponível em: https://www.progressivepolicy.org/wp-content/uploads/2023/10/PPI-Brazil-EU-Tech.pdf.

[53] Ibid.

[54] Vide Radic, L. and G. Manne (2022) Amazon Italy’s Efficiency Offense. Truth on the Market (11 Janeiro 2022), disponível em https://tinyurl.com/2uht4fvw.

[55] ACCC, Digital Platform Services Inquiry, Discussion Paper for Interim Report No. 5: Updating competition and consumer law for digital platform services (Fevereiro 2022), disponível em https://www.accc.gov.au/system/files/Digital%20platform%20services%20inquiry.pdf.

[56] Bowman, S. & G. Manne, Platform Self-Preferencing Can Be Good for Consumers and Even Competitors, Truth on the Market (4 Março 2021), disponível em: https://laweconcenter.wpengine.com/2021/03/04/platform-self-preferencing-can-be-good-for-consumers-and-even-competitors.

[57] Vide Portuese, A. The Digital Markets Act: A Triumph of Regulation Over Innovation, ITIF Schumpeter Project (2 Agosto 2022), disponível em: https://itif.org/publications/2022/08/24/digital-markets-act-a-triumph-of-regulation-over-innovation.

 

[58] Auer, D., G. Manne & S. Bowman (2022). Should ASEAN Antitrust Laws Emulate European Competition Policy?. Singapore Economic Review 67(5) 1637–1697, 1687.

[59]Vide Lotz, A. ‘Big Tech’ isn’t a monolith. It’s 5 companies, all in different businesses, Houston Chronicle (26 Março 2018), disponível em: https://www.houstonchronicle.com/techburger/article/Big-Tech-isn-t-a-monolith-It-s-5-companies-12781761.php; vide também Chaiehloudj, W. & Petit, N. On Big Tech and The Digital Economy, Competition Forum (11 Janeiro 2021), disponível em: https://competition-forum.com/on-big-tech-and-the-digital-economy-interview-with-professor-nicolas-petit.

[60] Asher Hamilton, I. Tim Cook says he’s tired of big tech being painted as a ‘monolithic’ force that needs tearing apart, Business Insider (7 Maio 2019), disponível em: https://www.businessinsider.com/apple-ceo-tim-cook-tired-of-big-tech-being-viewed-as-monolithic-2019-5.

[61] Lotz, A. ‘Big Tech’ isn’t a monolith. It’s 5 companies, all in different businesses, Houston Chronicle (26 Março 2018), disponível em: https://www.houstonchronicle.com/techburger/article/Big-Tech-isn-t-a-monolith-It-s-5-companies-12781761.php.

[62] G. Cuofano, Amazon Revenue Breakdown, Four Week MBA (10 Agosto 2023), disponível em: https://fourweekmba.com/amazon-revenue-breakdown.

[63] International Center for Law and Economics (2022). International Center for Law & Economics Amicus Curiae Brief submitted to the U.S. Supreme Court, https://laweconcenter.org/wp-content/uploads/2023/11/ICLE-Amicus-Apple-v-Epic-SCt-10.27.23-FINAL.pdf.

[64] See Zúñiga, M. Latin America Should Follow Its Own Path on Digital-Markets Competition, Truth on the Market (7 Novembro 2023) disponível em: https://truthonthemarket.com/2023/11/07/latin-america-should-follow-its-own-path-on-digital-markets-competition.

[65] No entanto, como apontado na Pergunta 10, há um risco de bis in idem, considerando que algumas das condutas capturadas pelo Projeto de Lei 2768 também podem estar cobertas pela lei de concorrência brasileira. Nesses casos, os 2% seriam agravados pelas penalidades previstas na Lei 12.529/11, a lei de concorrência brasileira, e o nível poderia facilmente ser muito alto.

[66] Weekly Foreign Policy Report No. 1329: A Europe vassal to the US?, Política Exterior (26 Junho 2023) https://www.politicaexterior.com/articulo/una-europa-vasalla-de-eeuu.

[67] Vide, por exemplo, 100 Biggest Technology Companies in the World, Yahoo Finance (23 Agosto 2023), disponível em: https://finance.yahoo.com/news/100-biggest-technology-companies-world-175211230.html.

[68] Vide, por exemplo, Weekly Foreign Policy Report No. 1329: A Europe vassal to the US?, Política Exterior (26 Junho 2023) https://www.politicaexterior.com/articulo/una-europa-vasalla-de-eeuu.